Edição 1969 de 31 de março a 6 de abril de 2013
Educação
Educação
O barbeiro que virou mestre pela UFG
Edilson
Carlos, do salão New Star, teve aprovada dissertação sobre as relações
entre cinema de resistência e história na América Latina
Euler de França Belém
Edilson
Carlos Costa Correia viu o primeiro filme, “Os Dez Mandamentos”, de
Cecil B. DeMille, aos 6 anos, numa paróquia da Igreja Católica, no
Maranhão. Paixão à primeira vista. O cinema e o Edilson nunca mais foram
os mesmos e, de alguma forma, se tornaram uma coisa só: um caso perene
de amor. Aquele filme, apresentado em praça pública e em condições
inadequadas — as imagens foram projetadas numa parede da igreja —, é a
madeleine proustiana do menino que se tornou homem. Se Ruimar Ferreira é
o príncipe da barbearia New Star, exclusiva para homens e dotado de uma
biblioteca com livros de autores goianos — o gramático Evanildo Bechara
visitou-a e, impressionado, disse que era a mais charmosa do País (a
referência, de fato elegante, da Praça Tamandaré, em Goiânia) —,
Edilson é o duque. “Sou barbeiro, e com muito orgulho”, afirma. Porém,
quando não está cortando cabelos e começa a conversar sobre vários
assuntos, é que se percebe o homem de cultura, formado em História pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Formou-se com
dificuldade, porque a universidade é cara para um estudante que sustenta
mulher e dois filhos, ambos universitários. Edilson estudou em escolas
públicas (devido ao trabalho, concluiu o ensino médio em seis anos)
mas, por trabalhar o dia inteiro, teve de buscar uma escola particular
para fazer um curso superior. Foi aprovado no vestibular da PUC aos 33
anos. “Eu sentia que era mais velho que a maioria dos colegas, mas sabia
que era preciso perseverar”, anota. “Sou de uma família de dez irmãos e
apenas dois, eu e uma irmã, formada em Geografia, conseguimos chegar à
universidade.”
Ao terminar o curso, em 2006, pôs uma ideia na cabeça e quase uma câmera nas mãos. Decidiu que iria fazer mestrado em Cinema e História na Universidade Federal de Goiás. Ele defende uma tese permanente: o cinema pode iluminar a história de um país e vice-versa. Mais: o cinema pode contribuir, ao interpretar e criticar, para “mudar a realidade”. Obsessivo, procurou o professor doutor Elias Nazareno e apresentou o que, inicialmente, era mais uma ideia do que um projeto: queria examinar um filme de Mel Gibson. Seu orientador sugeriu outros caminhos, que se revelaram mais proveitosos e deram um eixo consistente às investigações de Edilson. Ele decidiu estudar três filmes de diretores latino-americanos, “Terra em Transe” (1967), do brasileiro Glauber Rocha; “Memórias do Subdesenvolvimento” (1968), do cubano Tomás Gutiérrez Alea; e “O Sangue do Condor” (1969), do boliviano Jorge Sanjinés.
Na terça-feira, 26, Edilson, aos 42 anos, nove anos depois de ter sido aprovado no vestibular, defendeu a dissertação de mestrado “O Nuevo Cine Latino-Americano a partir de uma perspectiva intercultural e decolonial: ‘Terra em Transe’, ‘Memórias del Subdesarrollo’ e ‘El Sangre del Cóndor’”. Foi aprovado.
Ao terminar o curso, em 2006, pôs uma ideia na cabeça e quase uma câmera nas mãos. Decidiu que iria fazer mestrado em Cinema e História na Universidade Federal de Goiás. Ele defende uma tese permanente: o cinema pode iluminar a história de um país e vice-versa. Mais: o cinema pode contribuir, ao interpretar e criticar, para “mudar a realidade”. Obsessivo, procurou o professor doutor Elias Nazareno e apresentou o que, inicialmente, era mais uma ideia do que um projeto: queria examinar um filme de Mel Gibson. Seu orientador sugeriu outros caminhos, que se revelaram mais proveitosos e deram um eixo consistente às investigações de Edilson. Ele decidiu estudar três filmes de diretores latino-americanos, “Terra em Transe” (1967), do brasileiro Glauber Rocha; “Memórias do Subdesenvolvimento” (1968), do cubano Tomás Gutiérrez Alea; e “O Sangue do Condor” (1969), do boliviano Jorge Sanjinés.
Na terça-feira, 26, Edilson, aos 42 anos, nove anos depois de ter sido aprovado no vestibular, defendeu a dissertação de mestrado “O Nuevo Cine Latino-Americano a partir de uma perspectiva intercultural e decolonial: ‘Terra em Transe’, ‘Memórias del Subdesarrollo’ e ‘El Sangre del Cóndor’”. Foi aprovado.
![](http://jornalopcao.com.br/arquivos/images/25%20-%20Materia%20-%20Euler%202%20.jpg)
Defesa de críticas
No início, mesmo um pouco nervoso, apresentou as ideias de sua dissertação com segurança e provou que havia estudado a fundo o assunto. Saiu-se melhor quando defendeu-se das críticas pertinentes do professor Ademir Luiz, doutor em História e um dos integrantes da banca.
Para Edilson, o cinema é mais do que entretenimento. Glauber, Alea e Sanjinés, ao menos nos três filmes dissecados, “não queriam” tão-somente divertir a plateia. Pretendiam influenciá-la e estabelecer uma crítica ao, digamos assim, “imperialismo”, à perspectiva “ocidental” — europeia e americana, quem sabe, mais do que puramente ocidental. Se havia um projeto estético, que chamou a atenção do público interno mas também contraditoriamente encantou o público externo (europeus, público e cineastas, aplaudiram os filmes, ao menos com mais intensidade os de Glauber e de Alea), Edilson sugere que é preciso ressaltar que havia uma crítica refinada, a partir de uma perspectiva que nomina de decolonial (que não é o mesmo que pós-colonial). Pode-se falar, a partir do estudo do mestre, em “resistência política e epistêmica”. Os cineastas latino-americanos “criaram”, por assim dizer, um conhecimento (uma crítica) e uma estética locais para interpretar suas próprias realidades — independentemente do que disseram e analisaram europeus (colonizadores políticos e econômicos) e norte-americanos (colonizadores econômicos, abrindo espaço para autonomias políticas relativas locais). Isto é o que Edilson chama, de modo mais sofisticado e acadêmico, de “perspectiva decolonial e interculturalidade epistêmica”.
Os cineastas apontados, segundo o registro de Edilson, propuseram, com uma estética e uma crítica locais, a “descolonização do saber”. Eles apresentaram, aponta o mestre em história, um “conhecimento contra-hegemônico”. Não um conhecimento puramente acadêmico, frisa o historiador, e sim um conhecimento que faz parte da luta pela “independência” econômica, política e cultural de países que foram historicamente dominados, colonizados. Trata-se de uma batalha pela “libertação geral”, sugere Edilson. “A autonomia econômica e política às vezes é reforçada pela cultura”, frisa Edilson. Por isso, não se trata apenas de entreter. Trata-se de interferir na realidade, com um projeto de nação e, assim, de não repetir necessariamente os projetos hegemônicos.
O historiador Ademir Luiz, que examinou detidamente a dissertação de mestrado, acrescentando informações relevantes para uma possível publicação em livro, apontou algumas falhas, não estruturais, e disse que o texto tem “qualidades”. A professora Heloísa Capel apresentou as virtudes do trabalho de Edilson, ressalvou algumas “divagações” e notou as conexões entre história e arte (cinema). Sobre seu orientador, Elias Nazareno, Edilson é sucinto: “É competente, ético e rigoroso”.
Agora, com o mestrado concluído, Edilson pretende lecionar história. “Quero compartilhar o que aprendi”, resume. Mas alerta aos seus vários clientes: “Mas é claro que vou continuar trabalhando na barbearia”. Ele continuará “fazendo a cabeça” da elite goiana, no New Star, mas pretende, nas salas de aula, “iluminar a cabeça dos estudantes”.