quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea?

[Segue o fichamento do texto de HOBSBAWN que produzi para subsidiar minha aula na turma de História Contemporânea, na PUC-GO, no primeiro semestre de 2010. Utilizei o mesmo texto no curso oferecido para a formação especial de professores na UNEB/Campus IX (Barreiras-BA), pela PARFOR/CAPES, no final do ano passado]




 

O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea?


Referência do texto fichado aqui: HOBSBAWN, Eric. O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea? (36-48). In _____. Sobre história. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.



1. Da utilidade do conhecimento histórico

Para que serve a história? Quais as utilidades deste conhecimento? De que forma este conhecimento pode ser operacionalizado na vida, na dimensão da experiência individual? O conhecimento histórico contribui para a aquisição de algum resultado, seja no âmbito pessoal ou social/coletivo?
“pessoas que só admitem despender um bom dinheiro em coisas que tenham uma compensação prática e óbvia”
As relações entre passado, presente e futuro são indispensáveis e de interesse vital para nossa sociedade → é inevitável que nos situemos no continuum de nossa existência, da família e do grupo a que pertencemos. Aprendemos com isto: 
“é o que a experiência significa” (p. 36) → “os historiadores são o banco de memória da experiência”
todo o passado constitui a história e a maior parte deste passado é da competência dos historiadores que compilam e constituem a memória coletiva do passado [esta atividade ou função manifesta é a base que sustenta a confiança que a sociedade “deve ter” no conhecimento produzido pelos historiadores, segundo o autor] (37)
“necessitamos e utilizamos a história mesmo quando não sabemos por que” 
[por exemplo, na maioria das celebrações dos marcos cronológicos, como os aniversários, as efemérides nacionais ou institucionais] (37);
 
2. Função tradicional da história

Até o final do século XVIII, supuseram que a história pudesse nos dizer como uma dada sociedade deveria funcionar. O passado era o modelo para o presente e o futuro
“a história representava a chave para o código genético pelo qual cada geração reproduzia seus sucessores e organizava suas relações" 
É o que a Didática da História (na reflexão alemã) denomina de função tradicional do passado: as sociedades tendem a buscar nas tradições (familiares, regionais/culturais, nacionais/ideológicas/identitárias) os referentes que servem de orientação para a ação/comportamento presente.

→ Indícios da função tradicional do passado: velho = sabedoria (longa experiência + memória de como eram, como eram feitas as coisas e, portanto, como deveriam ser feitas) → “senado” (Congresso sênior); o “conceito de precedente” em sistemas legais baseados no direito consuetudinário → história como autoridade para o presente [a história oficial/história nacional é utilizada pelas elites brasileiras para construírem um discurso em relação ao passado, cuja consequência prática é a base de sua perpetuação no poder, no presente e no futuro. Serve a esta ideia a representação histórica que o “povo brasileiro” não é belicoso. Logo é pacífico, subserviente, passivo e obediente. Quer funções mais apropriadas à reprodução de um status quo que estas?]

3. Função mitológica da história ou a narrativa de origem

É a lição da história de experiência acumulada e coagulada. Por exemplo:
“os bons tempos do passado, e é para lá que a sociedade deveria voltar”
Utopia como nostalgia (boa e velha moralidade da cidadezinha do interior; a crença literal na Bíblia que é um documento histórico antigo) → hoje, esta função não é mais disponível: 
“o retorno ao passado é algo tão distante que tem de ser reconstruído ou um retorno a algo que nunca existiu realmente, mas foi inventado para tal fim” → “qualquer nacionalismo moderno, não poderia ser concebido como um retorno a um passado perdido, porque o tipo de Estados-nações territoriais, dotados de tipo de organização que ele visava, simplesmente, não existiu até o século XIX” → “entender mal a história é parte essencial de se tornar nação” (Ernest Renan) (38) →→→ “A atividade profissional dos historiadores é desmantelar essas mitologias, a menos que se contentem – e receio que os historiadores nacionais muitas vezes se contentam – em ser os servos dos ideólogos” (38)
É o exemplo de contribuição (negativa) importante que a história pode nos dar a respeito das sociedades contemporâneas;

4. O "meu tempo" é hoje 

Esse é o título de um documentário sobre Paulinho da Viola. É fantástica a potência que possui esse título para criticarmos a noção de "história mitológica" que Hobsbawm acabou de nos apresentar. Na frase, a história/tempo não está no passado. O tempo é o presente. Engraçado que um  dos primeiros indícios que uma pessoa está ficando velha (já li isso em algum lugar) é dizer: "no meu tempo..." como se ela, o tempo dela, tivesse, em algum momento, sido apartado do que ela é no presente. Esse funcionamento é o primeiro indício que uma coisa ficou datada. Tipo o corte de cabelo dos 80's, a calça boca de sino dos 60's, o cabelo colorido dos 90's ou suas roupas de flanela. É preciso que a história volte-se para o presente. É a leitura que Walter Benjamin (1892-1940) fez do anjo pintado por Paul Klee. Contudo, a condição fundamental para que isso aconteça, é ir ao passado. Ir ao passado é um recurso e uma condição para se chegar ao presente e nele se situar; com ele dialogar, nele viver.




5. O presente não pode tomar o passado como modelo em nenhum sentido operacional

"Desde o início da industrialização, a novidade que toda geração traz é mto mais marcante que sua similaridade com o que havia antes" 
Diante disso, imaginem o quanto é difícil para uma pessoa jovem hoje imaginar um mundo sem internet; sem cd; sem TV; sem cor impressa; sem rádio; sem energia elétrica; sem rádio; sem cinema; sem rede de abastecimento de água encanada e residencial; sem imagem fotográfica... acabei de faze um breve percurso cronológico que nos leva diretamente a meados do século XIX. Mas essa volta poderia ser feita ate períodos históricos mais afastados. É o que nos propõe Maria Bethania numa releitura de uma música de Arnaldo Antunes.

6. Debaixo d’água – Agora (ao vivo), Maria Bethânia, 2007, álbum Dentro do mar tem rio.



7. Há uma parte mto grande de assuntos humanos nos quais o passado retém sua autoridade e, portanto, a história ou a experiência, no genuíno sentido antiquado, opera do mesmo modo como operava no tempo de nossos antepassados (38);

8. Uso antiquado ou experiencial da história (o que a história nos diz sobre o passado): A história elementar (saber como era alguma prática ou saber os valores que norteiam as práticas sociais) → 
“são necessárias duas pessoas para aprender as lições da história ou de qualquer outra coisa: uma para dar a informação e outra para ouvir” 
→ a mera experiência histórica sem muita teoria sempre pode nos dizer muita coisa sobre a sociedade contemporânea → as situações humanas são, de tempos em tempos, recorrentes → registro acumulado de muitas gerações (“já vi isto antes”) → [traços de uma abordagem materialista?] → 
“a ciência social moderna, a política e o planejamento adotaram um modelo de cientificismo e manipulação técnica que, sistemática e deliberadamente, negligencia o humano e, acima de tudo, a experiência histórica" (39)
 → ciclos de longa duração de Kondratiev (descobertos no século XX) = padrão secular da economia mundial na qual períodos de cerca de vinte a trinta anos de expansão econômica e prosperidade se alternam com períodos de dificuldades econômicas com a mesma duração → uma dentre as poucas periodicidades que permitem previsão (40) → 
o computador de nossas cabeças tem, ou pode ter, experiência histórica embutida
[consciência histórica geneticamente transmitida?] → tipo de conhecimento histórico que os intelectuais, de Tucídides a Maquiavel, teriam reconhecido ou praticado (41);

9. O que a história nos diz sobre o presente  
(o que a história pode nos dizer sobre o inédito?): não há precedentes → 
“a história, mesmo quando generaliza com muita eficácia, ela não vale muitas coisa se não generaliza, sempre está atenta à dessemelhança”
 → a historiografia tradicionalmente se desenvolveu a partir do registro de vidas e eventos específicos e irrepetíveis. 
“estou me referindo a transformações que fazem do passado um guia direto fundamentalmente inadequado para o presente”
 → as transformações rápidas, profundas, radicais e contínuas são características do mundo a partir do final do século XVIII e, especialmente, a partir da metade do XX (41) → uma das funções menores dos historiadores é mostrar que a inovação não é e não pode ser absolutamente universal (descobrir uma prática absolutamente nova) → a evolução humana: 
como deixamos de nos assustar com os perigos da natureza para nos assustar por aqueles que nós mesmos criamos? 
→ apesar de sermos mais altos e pesados do que nunca, biologicamente somos quase os mesmos que no início dos registros históricos → é quase certo que não somos mais inteligentes que os mesopotâmios, entretanto, o modo como as sociedades vivem e operam foi totalmente transformado (42) → 
“se fixamos nossa atenção naquilo que é permanente, não podemos explicar o que obviamente foi transformado, a menos que acreditemos que não possa haver nenhuma mudança histórica, mas apenas combinação e variação” (42)
 → o objetivo de se traçar a evolução histórica da humanidade não é antever o que acontecerá no futuro, ainda que 
o conhecimento e o entendimento histórico sejam essenciais a todo aquele que deseja basear suas ações e projetos em algo melhor que a clarividência, a astrologia ou o franco voluntarismo (42)
 → ler na história (descobrir padrões e mecanismos da transformação) é diferente de deduzir da história (previsões / esperanças) (43);

10. O progresso e a concepção materialista da história
 qualquer tentativa genuína para dar sentido à história humana deve tomar o progresso (sentido literal de um processo direcional) como ponto de partida → o progresso é a capacidade persistente e crescente da espécie humana de controlar as forças de natureza por meio do trabalho manual e mental, da tecnologia e da organização da produção [a abordagem e interpretação da categoria ‘progresso’ por parte do autor é pragmática e não considera valores e condicionantes morais e éticos?] → a concepção e análise da história construída por Karl Marx baseou-se na ideia de progresso, daí sua importância para os historiadores → 
“não é possível nenhuma discussão séria da história que não se reporte a Marx ou, mais precisamente, que não parta de onde ele partiu. E isso significa, basicamente, uma concepção materialista da história” (43)
 → durante a maior parte da história registrada, de 80 a 90% da população esteve envolvida na produção de alimentos básicos. Hoje, uma população de 3% dos estadunidenses produz comida suficiente para alimentar outros 97% (44);

11. Quais as consequências destas mudanças?
Elas podem definir uma dimensão urgente do problema = a necessidade de redistribuição social → 
durante maior parte da história, o crescimento econômico operava por meio da desigualdade (apropriação do excedente social gerado pela capacidade do homem de produzir por meio de uma minoria para fins de investimento em melhoria adicional) (44)
→ isto era compensado pelo crescimento da riqueza total que tornou cada geração mais aquinhoada que suas predecessoras. Os trabalhadores partilhavam desses benefícios mediante a participação no processo produtivo (posse de empregos – assalariados – ou por meio da venda de sua produção no mercado – camponeses e artesãos)

12. Qual o problema do tempo presente?
A maioria da população não é mais necessária para a produção. Do que ela se manterá? → o motor principal do crescimento econômico do Ocidente são os lucros empresariais → Uma economia empresarial depende cada vez mais das compras → A maioria da população tem de viver de transferência de recursos públicos (entre ½ e 2/3 dos gastos públicos – pensões, seguridade e bem-estar social) = mecanismo político e administrativo de redistribuição social [os programas sociais do governo federal: bolsa família, bolsa escola, benefício dos idosos, aposentadoria etc.] = crescimento do setor estatal = ônus tributário sobre os lucros empresariais = pressão pelo desmantelamento do sistema de redistribuição de rendas → mas este mecanismo de redistribuição não foi projetado para uma economia na qual a maioria poderia ser excedente às necessidades produtivas, mas sim para uma economia de pleno emprego e por ele sustentada.

13. O crescimento econômico mediante uma economia de mercado não foi um mecanismo eficaz para diminuir as desigualdades internas ou internacionais, embora tendesse a aumentar o setor industrializado do planeta → as desigualdades embutidas nesses desenvolvimentos históricos são desigualdades de poder: populações pobres e países pobres são fracos, desorganizados e tecnicamente incompetentes: relativamente mais fracos hoje do que no passado (46) → dentro de nossos países podemos cozinhá-los em guetos (“um nível aceitável de violência” [qual é a violência aceitável? Que violência você aceita?]) ou isolarmos em carros blindados, condomínios fechados → os pobres e descontentes, nacional e internacionalmente, devem ser contidos (46);

14. Muros e grades, Engenheiros do Havaí, 1993. Álbum Filmes de Guerra, canções de amor.



15. O que a história pode nos dizer: pode-se supor que os pobres não mais mobilizem em protesto, pressão, mudança e revolução social, em nível nacional ou internacional, como fizeram entre 1880 e 1950; mas não que permaneçam ineficazes enquanto forças políticas/militares, principalmente quando não puderem ser comprados pela prosperidade →
 o que a história não pode nos dizer é o que acontecerá, apenas quais problemas teremos que resolver (47);

CONCLUSÃO

16. O que a história pode nos dizer sobre as sociedades contemporâneas baseia-se em uma combinação entre experiência histórica e perspectiva histórica [horizonte de expectativas] → 
“é tarefa dos historiadores saber consideravelmente mais sobre o passado do que as outras pessoas, e não podem ser bons historiadores a menos que tenham aprendido, com ou sem teoria, a reconhecer semelhanças e diferenças” (47)
→ [é possível identificar semelhanças e diferenças sem um exercício teórico?];

17. 
“Infelizmente, uma coisa que a experiência histórica também ensinou aos historiadores é que ninguém jamais parece aprender com ela. No entanto, temos que continuar tentando” (47);

18. Razão pela qual as lições da história não são aprendidas ou são desprezadas:

a) História utilitarista: Devido uma abordagem a-histórica, manipuladora, de solução de problemas, que se vale de modelos e dispositivos mecânicos [factualista, narrativista, não-problematizadora, informacionista, professoral? História para passar/não-passar no vestibular, no Rio Branco, no concurso do Estado?];

b) História como inspiração e ideologia (mito de auto-justificação) / “história-Venda para os olhos”: distorção sistemática da história para fins irracionais → Por que todos os regimes fazem seus jovens estudarem história na escola? 
“não para compreenderem sua sociedade e como ela muda, mas para aprová-la, orgulhar-se dela, serem ou tornarem-se bons cidadãos” “e o mesmo é verdade para causas e movimentos”;


19. É tarefa dos historiadores remover as vendas ou tentar levantá-las um pouco → ao fazer isto, dizem algumas coisas das quais ela poderia se beneficiar, ainda que hesite em aprendê-las 
"uma pena que os historiadores somente sejam autorizados e encorajados a fazer isso nas universidades"
 [será?] → as universidades são/devem se tornar os locais onde mais facilmente se pode praticar uma história crítica (48).























Observações sobre a aula “Tópica: formas da historiografia”

[Seguem as observações que fiz sobre a aula do prof. Rafael Saddi, do dia 20/11/2012, no encontro do GruDhi (Grupo de Pesquisa em Didática da História e Educação Histórica) realizado em associação com a disciplina de núcleo livre oferecida pelos profs. Rafael Saddi e Maria da Conceição Silva. Os encontros acontecem todas as terças, as 14h, no centro de aulas ao lado da creche da UFG. Os problemas de coesão presentes nesse texto decorrem do processo de transcrição, no qual, perdemos importantes conectivos. Ademais, a transformação de um texto oral (a aula em si) em apontamentos traz consigo uma série de consequências para a coerência interna do texto escrito resultante. O ideal seria comparar as minhas anotações com as de outros alunos, juntá-las num texto só e, então, apresentar ao professor para fazer a revisão final. Os meus comentários estão entre [] Vamos lá…]


Topica: formas da historiografia



1. Reflexão sobre a aula anterior: necessidade de acessar a sensibilidade do aluno para que a aula de história faça sentido.
 
2. O que caracteriza (relação do passado com o presente para produzir sentido e orientação) o nosso presente? É possível fazer uma história do presente? 
 
Comentários sobre o suicídio do aluno de história (primeiro ano) que pulou na marginal: falaram sobre os comentários dos leitores feitos on-line na matéria do jornal que informou sobre o suicídio.

3. História do tempo presente é fundamental para a Didática da História;
 
4. Presente: a ideia de passado gera uma auto compreensão no presente para se orientar temporalmente (cria perspectivas para o futuro) à o passado é uma orientação que se produz no presente à a expectativa de futuro tbm é produzida no presente à toda vez que o presente muda, muda-se o passado (nascimento de novos objetos históricos) à (1ª tese) nem todo o passado é importante para o presente à o que faz as coisas permanecerem/mudarem? Para Rusen, a história recria o máximo de elementos que possibilitam a mudança. Precisamos de uma história empírica para explicar as mudanças; teorias das revoluções (mas a historicidade não é passível de explicações) [não entendi a relação dessa fala com o raciocínio anterior];

5. Nietzsche: o homem crítico é autodestrutivo, pois as condições de criticar o passado nascem no próprio passado.
 

Tipos de consciência histórica:


O professor tenta problematizar os pontos apresentados pelos alunos: há várias participações e curiosidades. O professor fica preocupado com a clareza de sua exposição.

1. Passado enquanto processo (geschichte) e como narrativa (historik): é o processo que (trans)forma as nossas condições à diferença entre processo e narrativa pode ser ilustrada pelo exemplo da fórmula do H20 (uma coisa é um copo cheio d’água outra é a sua formula escrita num papel dentro de um copo) à história vivida é a história enquanto processo à nem sempre a história como narrativa é científica. Ela pode ser narrada por pessoas fora das instituições.

2. Teoria do Rüsen: ao ser produzido o passado interfere no presente.

3. Não é só o processo que nos forma; ao narrar uma história também nos formamos.

4. Cada presente escolhe um passado que é relevante (nem todo passado é relevante para o nosso tempo; existem conteúdos do passado que são interessantes para nosso tempo [o desafio da DH (Didática da História) não seria identificar esses interesses?] Que passado interessa? Que passado é interessante para o presente? à quais são as carências de nosso tempo? A DH necessita de uma História do Tempo Presente;

5. Podemos não ter consciência dos elementos presentes que nos levam ao passado à É a DH que deve tornar consciente os pressupostos do presente. Mesmo sem ser consciente nós encaminhamos o conhecimento a partir do presente à ajuda a fazer com que as pesquisas respondam as carências que estão presentes mas que os historiadores ainda não produziram à Fatores Didáticos da Pesquisa Histórica (estão vinculados a um tipo de orientação do presente); a tarefa da DH é tornar esse tempo presente consciente no processo de produção do conhecimento histórico; se a DH não compreende o presente ela não construirá conteúdo efetivo

É possível ver temas geradores a partir do presente nos conteúdos históricos? A colega Alessandra sugeriu pensar as permanências; o professor Rafael lembrou a importância da ruptura nesse processo. Permanências e rupturas são medidas pelo presente.

6. O que a história pode contribuir para entender as mudanças e permanências do presente?

7. O que mudou, o que torna algo peculiar do nosso tempo? à precisamos identificar esses pontos:


Temas/pontos apontados pelo professor:



a) Corpo: política do corpo (discurso sobre o corpo, padrão estético; tipo de investimento no corpo);

b) Discurso médico extrapola o espaço da doença, independentemente da doença (p. ex., discurso do corpo saudável); processo de medicalização (define as regras de comportamento);

c) Discursos religiosos: não havia crentes na década de 80, aconteceu o da Teologia da Libertação, não havia Renovação Carismática à aborto; pena de morte;

d) Sensação de insegurança: gera discurso totalitário (discurso do médico; religioso);

e) Mudanças no mundo do trabalho: multifuncional, flexível (sustenta o discurso de interdisciplinaridade)

[Temas apontados por mim]

f) Sociedade do espetáculo (celebridade, comunicação, imagens) à Guy Debord;

g) Desenvolvimento tecnológico dos transportes e das comunicações em sua relação de confronto com a diferença/alteridade (história cultural);

h) Crise da/s autoridade/s (instituições: igreja, ciência, família);


Outros comentários do professor


1. os discursos que começam a valorizar o orgasmo feminino serão associados com outros discursos, por exemplo, serão os discursos que legitimarão as práticas homossexuais à Conjuntos de dispositivos que surgem em lugares distintos e se combinam criando novos discursos à não são construídos pelos sujeitos, conf. Foucault.

2. É preciso mapear as mudanças, compreendê-las; quais são as grandes questões que perpassam a nossa vida? à necessidade de investigar isto [mas a escrita da história depende somente do tempo presente?]

3. No estágio: pesquisar as temáticas do tempo presente para construir propostas de intervir na escola à projetos de pesquisa; 
 

Diferenciação entre história e sociologia:


1. o que é história? não é a auto-reflexão pois isto faz toda as Ciências Humanas à p/ Rüsen, só entendemos o que “é” no passado porque nós “o” entendemos no presente (herança do historicismo) à para Saddi, todos nós [das Ciências Humanas] estamos preocupados com a experiência humana (cultura), mas os historiadores estão preocupados com a experiência humana temporalmente (o conhecimento histórico não pode ser estático; ele precisa dar conta do movimento temporal) e precisa narrá-la e organizar a experiência no tempo;

2. p.ex.: fazer um trabalho de filosofia da história na Filosofia do Espírito não é um trabalho histórico, mas de filosofia, da teoria da história;

3. ao analisar as prostitutas na av. Paranaíba (sociólogo pesquisaria a vida social delas) o historiador vai estudar como esta sociabilidade se constitui, qual processo possibilitou isto no tempo; nossa empiria não é a coleta de ideia (história oral) ... [perdi o raciocínio];

4. Será conhecimento histórico somente se for possível informar como a prostituição se estabeleceu da forma como ela se apresenta hoje (o sociólogo está preocupado como essas relações se dão no presente)
[não fiz mais as observações porque o professor pediu o computador para continuar a discussão sobre a aula passada]

domingo, 27 de janeiro de 2013

Brox(ch)adas, revolucionariamente, cinematográficas

tumblr_lpzfg390wU1qcynu4o1_500[Vou seguir o conselho do Houaiss e substituir o "broxante" do título original por Brochante]

[segue o ensaio “O fantasma da educação nas barricadas do cinema”, de autoria de Leonardo Carmo, publicado originalmente no sítio do Jornal Opção (27/01/13) http://www.jornalopcao.com.br/posts/opcao-cultural/o-fantasma-da-educacao-nas-barricadas-do-cinema  A poética de Carmo mostra as características estéticas de nosso tempo: as referências a outras obras e as transtextualidades. A vontade de criação artística do autor é derrubada pela vontade analítica da forma ensaio. No sertão que fica entre os dois extremos, somos brindados com os trechos que negritei e outros que a minha estupidez (Sim, Roberto, você estava certo) – não me deixou ver. Senti falta, na relação dos filmes libelos encarnados, da referência ao “Socialism” de Godard. Entre os filmes citados, e assistidos por mim, acredito que o mais forte em sua crítica (mas não ao capitalismo e sim ao socialismo soviético) é “Para sempre Lilya. Aliás, essa película foi tema de análise, em capítulo de livro organizado por um ex e sempre professor David Maciel, sobre a Revolução Russa (as referências completas me escapam pois minha biblioteca vive vilipendiada por eu ser um professor viajante. Por conta do trânsito frequente entre Goiânia e Porangatu, alguns livros estão sempre “em outro lugar”. Quando assisti “Para sempre Lilya” a minha existência colonizada de subdesenvolvido nas margens do capitalismo tardio foi esfaqueada. acho que impacto maior somente senti com “Irreversível” ou “Garotos não choram”. Os filmes “Para sempre Lilya” e “Irreversível” me foram apresentadas pela amada, culta, jovem e já famosa historiadora Lyvia Vasconcelos Batista, quando ainda estávamos no mestrado em história da UFG. A mensagem de que Lilya nos traz, poderia ser irresponsavelmente resumida assim: só a morte nos salvará. entendam: a morte para quem não acredita em vida após a morte. pense! isso é uma coisa, deveras, fudida de se pensar (e acreditar). A vida deixou de ser melhor que a não-vida. Para acabar com tudo, os personagens principais de “Para sempre….” são: uma criança e uma jovem. Como sabermos, quando os cineastas querem falar do futuro, eles metaforicamente, usam as crianças e jovens. O outro filme citado por Carmo é “Os sonhadores”. assisti a esse filme por conta de minha admiração por seu diretor: Bertolucci fritou minha mente com “Sob o céu que nos protege”. uma história que até hoje me faz querer entrar nú em plena floresta. Essa é minha referência ao poema de Cora Coralina que conta a história do índio que foi civilizado. um dia, em seu trabalho de guarda do Palácio Conde dos Arcos (ou outra coisa que o valha), numa certa tempestade, um trovão rasgou o céu. o índio, num supetão só, rancou sua roupa e se embrenhou no mato. nunca mais foi visto. Para mim, “Sob o céu que nos protege” é o tal trovão de Cora, em suspensão. Potência descivilizadora que somente a natureza faz com a cultura em nós. Depois disso, Bertolucci me fez imaginar a Europa como terra de sexo chique e libertário. Isso foi com “Beleza Roubada”. Por fim, voltando ao filme citado por Carmo, “Os sonhadores” vi o início de uma moda entre os filmes alternativos (se os posso chamar assim): um desfile de picas duras e terapeutizadas em suas vergonhas na grande telona. Mas, nesse filme como em “Edukators”, a tese é que a “vontade de partilha” (risos) da ideologia socialista não consegue derrubar as barricadas da moral sexual-burguesa-cristã-masculinas presente em nossa sociedade. aliás, “a sociedade” que existe entre os personagens dos dois filmes não consegue dividir uma buceta. ok, tá certo, não seja eu sexista: não conseguem dividir a dona da buceta. os machos de plantão que querem mudar o mundo capitalista são vencidos pela cultura naturalizada do sexismo. sua sociedade acaba no justo momento em que se interessam pela mesma mulher. não há vontade de mudar o mundo que consiga mudar os instintos fatais? Por isso considero que os dois filmes, em especial o Edukators, é um filme conservador. ao terminar de assistí-los, a minha tesão fílmica tinha broxado. Fiquem com Leonardo Carmo porque “hoje é só amanhã”]19871009.jpg-r_160_240-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxx    

 

 

O fantasma da educação nas barricadas do cinema, por Leonardo Carmo

edukators   O cinema como escrita política da história materializou películas de aceitação massiva  como  “Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, e “Edukators”, de Hans Weingartner, memórias fílmicas de pulsões libertárias, forjadas nas usinas do delírio e do desejo. Bertolucci — Maio de 1968 — e Weingartner — União Europeia — mergulham no mundo do sonho da cultura de massa, e discutem, no passado e no presente, o problema da ação que pode desencadear o despertar coletivo como sinônimo de uma conscientização revolucionária de classe.

Nessa onda, “Amantes Constantes”, de Philippe Garrel, 2005, uma experiência cinematográfica radical, rememora Charles Baudelaire e Thomas de Quincey. E ninguém melhor que Louis Garrel — objeto de mostra no Centro Cultural Banco do Brasil, 2013  — o ator fetiche do cinema francês — para dar corpo e alma a esse mix de Gandhi-John Lennon-Sade-Slavoy Zizek.  No filme, em 1969, um grupo de jovens dedica-se ao consumo do ópio, após ter vivido os acontecimentos de 1968. Um romance intenso nasce dentro deste grupo entre dois jovens que se conheceram durante a revolta. Depois  que a classe operária foi ao paraíso, chegou ao poder, comprou celulares e carros a prestação, a revolução parece ter colocado pantufas, sentando-se no sofá, curtindo a programação da MTV ou a pornografia disponível na web. Amor e revolução transformaram-se em fumaça do ópio ou do consumo.

Mas quem joga a história e a consciência de classe em uma mina é Danis Tanovic e o surrealismo belicista — surrealismo para quem patrocina as guerras, não para quem morre nelas — com “Terra de Ninguém”, 2001 — não o da odisseia no espaço mas o da laranja mecânica da guerra —  sobre o conflito nos Balcãs entre bósnios e sérvios. 
Jule    A coca-cola da China configura nova estética. Essa estética se materializa em “Cosmópolis”, 2012, de David Cronenberg.   Mas antes que o cineasta de “eXistenZ”, defina que a nova unidade monetária é o rato, Wolfang Becker  também joga György Lukács no cemitério dos sonhos. “Adeus Lênin”, 2002, com o qual “Barbara”, de Christian Pet­zold, 2012, dialoga. O tema do filme pode-se dizer são os campos de reeducação socialista. Aliás, a versão fílmica do socialismo não é a mesma dos manuais.
Revivendo a visita do fantasma da revolução ou do que dela sobrou nas barricadas do cinema, e tão explosivo quanto Bertolucci, Weingartner e Garrel, só mesmo Lukas Moodysson, em “Para Sempre Lilya”, 2002, os bisnetos da Revolução Russa na lama do socialismo em um lugarejo perdido da Estônia. Para o diretor, só os anjos sobrevivem ao lamaçal soviético. Talvez este filme possa ser analisado como o anjo da história das teses de Walter Benjamin. Uma tempestade empurra o anjo para o  futuro e no presente ruínas chamadas de progresso se acumulam diante dos seus olhos. Em que medida a história no cinema é diferente — qualitativamente da história escrita? Ou, o que aprendemos com a história em sua versão cinematográfica?
tumblr_lwwpru5RUi1qg1naao1_500  Walter Benjamin  discute o papel transformador do cinema a partir do ensaio “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, 1936, tido em geral como uma afirmação da cultura de massas e das novas tecnologias por meio das  quais ela é disseminada. No texto, Benjamin enfatiza o papel cognitivo e, portanto, político da experiência cultural mediada pela tecnologia, privilegiando particularmente o cinema. Aplicar as teses do ensaio atento ao conceito de arte cinematográfica se  insere na seara cognitiva não só no  cinema de Roberto Rossellini ou Alexander Kluge, mas no de  Steven Spielberg e sua aventura em “O Parque dos Dinossauros”. Mesmo que o dito filme comercial não chegue às nuvens de uma arte superior, contribui com uma visão crítica do mundo da ciência e o paradoxo é um produto da cultura de massa cuja representação, imediatamente vista como alienada, critica a alienação. O ensaio de Benjamin abre perspectivas para a análise fílmica trilhando pela derrubada do muro de Berlim, entre os escombros do socialismo e a estética da nova ordem mundial.  Um dinossauro a favor da revolução é uma força considerável. Um blockbuster na crítica social? Em “Ornamento da Massa”, Siegfried Kracauer (Editora Cosac Naify, 2009)  analisa historicamente a relação das classes médias e o cinema como vetor cultural na era da reprodução da obra de arte.  Ou aquilo que Benjamin chama  de valor de exposição.
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Quem dirige “Meia Noite em Paris”, 2011, é Woody Allen e não Dziga Vertov. E a Paris das barricadas de “Amantes Constantes” é a Paris charmosa dos anos 1920, memórias de um diretor americano, em um filme velho, para um público que à ousadia do sonho acomoda-se nos clichês do filme charmoso, digestivo. A Paris de Jean-Marie Le Pen e não a do “Fantasma da Liberdade” ou de “A Chinesa”. Nem Godard ou Buñuel. Nem Leos Carax de “Holly Motors”, 2012, dialogando com as limousines de “Cosmópolis”. A função social das limousines: túmulo da arte e do capitalismo.
Depois que as barricadas do desejo foram vencidas pelas bombas de gás lacrimogêneo, o futuro não será mais dominando pela paz e pelo amor de uma sociedade sem classes. O dinossauro de Spielberg é uma metáfora dessa nova ordem. As colunas de fogo da poesia de Charles Baudelaire substituídas pelas cercas elétricas do “Jurassic Park”. O que se materializa não é a revolução,  mas o monstro da razão que domina a natureza. Goya, antevisão das imagens digitalizadas.
Nessa perspectiva,  a arte cinematográfica, e não necessariamente o cinema de arte,  deve criticar a chamada economia global, como no belíssimo “Um Alguém Apaixona­do”, de Abbas Kiarostami,  2012, ro­dado em Tóquio  e cuja narração pode se dar em São Paulo ou Goiâ­nia.  A metáfora cinematográfica: e­du­­cadores buscam formas de combate onde a esperança de transformação possa ser operada para além do livro vermelho ou das velhas or­todoxias políticas.
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Esse cinema de maciça força poética parece manter aquele desejo de despertar do mundo do sonho de si mesmo. E mantém  vivas as ideias e práticas situacionistas de Guy Debord, a quem essas fitas poderiam ser dedicadas. Esses filmes mostram que, se a cultura de massa é uma fonte de fantasmagoria do mundo social, é também uma fonte de energia coletiva capaz de superá-la.

  Leonardo Carmo é mestre em Educação Brasileira pela UFG

Comédia romântica (só se for para os homens) ("Ruby Sparks, dir. Dayton & Faries, 2012)

[Recentemente, assistimos ao filme “Ruby Sparks: a namorada perfeita” (2012). (Nada como férias para fazermos - e dizermos - isso sem o sentimento de culpa de todo trabalhador)

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O filme foi dirigido pela dupla Jonathan Dayton e Valerie Faries que realizaram o maravilhoso “Pequena Miss Sunshine”. não falarei sobre Ruby Sparks a partir da expectativa criada em mim pela sequência de “Miss Sunshine” para não cometer injustiças com os realizadores. Cada obra deve ser apreciada em si, no seu momento. Esse lance de “criar expectativas” que devem ser saciadas pelas sequências produzidas pelo mesmo artista é uma doença psicológica alimentada pela retórica do novo, tão cara aos nossos tempos modernosos.
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Talvez o maior trunfo da história de Ruby seria o tema central do filme: realidade e ficção como duas dimensões da mesma experiência. mas, o desenvolvimento da história não fez jus ao mote central. aliás, uma bela e complicada tese, não? acontece que a personagem nerd e tímida do escritor jovem e de reconhecido sucesso, para superar o trauma causado pelo fim de um romance, é aconselhado por seu psicanalista a fazer um dever de casa. O escritor cria então uma outra personagem: a tal Ruby Sparks, “para o seu bel prazer”, como diz aquela música oitentista. das páginas datilografadas, a personagem nasce para a vida real. então, o romance imaginado pelo escritor e sua personagem toma os rumos ordinários de todas as relações de amor: (des)encontros, dilemas, conflitos. o ápice do desejo masculino em criar a sua mulher ideal beira ao prazer sádico quando a “verdade” é revelada para a namorada: ela não passa de uma invenção literária de seu namorado escritor. quando então, ela entende que é uma criação literal (risos) e que atende a todos os seus comandos, por escrito, tudo se desmorona (tipo a Maysa cantando “meu mundo caiu”). acho que esse seria o momento perfeito para explorar o dilema de toda mulher que vive (por escolha ou não) na história/vida de seu namorado. seria a deixa perfeita para uma puta crítica de comportamentos relacionados às identidades de gênero e a histórica submissão feminina provocada pelos falos de todos nós. mas isso não acontece… quem quer se libertar de seu criador e ter que pagar o preço de viver a liberdade? (há algo mais necessário que uma amarra invisível?) no filme, depois que a relação termina, há um novo recomeço, com uma proposta de mais “liberdade” para a namorada (o tipico happy end hollywoodiano). ou seja, ele o personagem escritor do filme, seus realizadores e nós, enquanto sociedade, insistimos no erro de não fazer a crítica devida. a mulher continua sendo uma personagem dos masculinos. há que nos rebelar, todos. Que venham mais Tati’s para quebrar o barraco desses pendões verdes da esperança desbotada mas ainda retesados pelo prazer dos domínios]
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sábado, 26 de janeiro de 2013

Considerações sobre os relatórios do Módulo de História Contemporânea

Esse post aqui é voltado para as queridas alunas (e um aluno) que tive. Seu objetivo é explicitar um pouco os termos utilizados em minha correção. Diante disso, se você, leitor, não se interessa pelos dilemas de um professor em seu árduo trabalho de avaliação e correção de atividades, agradeço a sua atenção e te espero em uma próxima ocasião. Se sim, sigamos, então.

Ano passado fui indicado para uma disciplina de História Contemporânea para a graduação especial para professores/as em história, oferecida pela Plataforma Paulo Freire/CAPES. 

A seguir, apresento algumas considerações sobre a avaliação do nosso primeiro encontro. Ele aconteceu nos dias 29 e 30 de setembro e 01 de outubro de 2012. Respectivamente, sábado, domingo e segunda.

Ao final do primeiro módulo, pedi que os discentes produzissem um relatório sobre os textos discutidos (sim, minhas aulas são basicamente apresentação e discussões de texto). ainda não estou naquele estágio de muitos professores que tive que, numa mesma aula, fazem dialogar vários textos em função do tema escolhido. até que faço isso, mas não de forma sistemática. Penso que para conseguir articular vários textos em torno de um tema, precisamos de muito estofo de leitura e ainda estou na construção de meu cabedal bibliográfico.

Pedi que na estrutura do relatório fosse apresentado de forma clara a introdução, desenvolvimento e conclusão. Na introdução, deveriam apresentar a natureza da atividade (ou seja, o que seria tratado no relatório e apresentar ao leitor o quê da apresentação. Cito um exemplo de uma introdução recolhido entre os relatórios:
“no texto que se segue, apresentarei um relatório das aulas de História contemporânea, dos dias 29/09, 30/09 e 01/10…”
Uma introdução não é apenas começar a falar sobre um assunto. de forma abrupta. não começamos um texto assim. A introdução não é simplesmente um começo, mas um começo deliberado. nele, preparamos o leitor. flertamos com ele, apresentamos nossas intenções (boas ou não). basta fazer uma associação entre a importância da introdução em um texto e a performance necessária que precede a todas ocasiões em que nosso corpo se aproxima afetivamente de outro, para ficar claro que as preliminares são importantes em todas as dimensões de nossa vida. Sem duplos sentidos, uma introdução bem feita é uma garantia parcial da qualidade do trabalho a ser realizado. Claro, aqui faço referência às introduções em textos breves. em textos maiores (monografias, dissertações etc.) a introdução deve ser feita depois de concluir toda a redação. mas, essa é uma outra conversa…

No desenvolvimento dos relatórios, era para apresentar, de forma resumida, as considerações centrais (os argumentos principais) presentes nos textos trabalhados ou na discussão feita por mim sobre eles. Uma observação: era para abordar todos os autores trabalhados.

Ao final, cada um deveria concluir o relatório apresentando, a partir da experiência de sala de aula, os limites e as possibilidades do trabalho verificados naquele módulo.
Vários estudantes começaram seu relatório sem a introdução solicitada. Mais uma vez: é importante, no início de todo texto, que o autor deixe claro o ‘quê’, o ‘por quê’ e o ‘para quê’ daquilo que o leitor encontrará na sequência da leitura. Geralmente, nos parágrafos iniciais, apresentamos, brevemente, o tema e o problema a ser desenvolvido na mesma. A coisa é simples. Como exemplo, cito a introdução feita por uma aluna:
“Relatório apresentado como requisito avaliativo da disciplina de História Contemporânea, ministrada pelo professor Euzebio Carvalho. Este tem a finalidade de descrever e refletir em linhas gerais o que foi estudado no decorrer dos três dias de aula da disciplina, do III [sic. na verdade era o I] módulo, no período de 29 e 30/09 e 01/10”

Sobre os autores discutidos em sala, no desenvolvimento do relatório, a maioria dos discentes apresentou observações em relação a somente dois autores (NAPOLITANO, 2008 e JOLY, 1994). Por que? Será que as pessoas não estiveram presentes nas outras aulas? Será que não entenderam que eu pedi observações para cada autor? Será porque foram, respectivamente, o primeiro e ultimo autores trabalhados? (Uma aluna fez o relatório inteiro somente sobre um autor. Mas, é melhor que não ter feito nada, acredito).
quanto à conclusão, pude perceber, sistematicamente, a ausência de crítica. Pedi que fossem apontados, obrigatoriamente, os limites ao trabalho apresentado. Mas, várias pessoas não o fizeram. Por que? Percebo que no senso comum a crítica não é valorizada. Contudo, no processo de ensino-aprendizagem ela é fundamental. 

Aprender a fazer e a receber crítica é parte de um aprendizado efetivo e necessário aos nossos dias. Além disso, a crítica é uma forma de retorno dos alunos para o trabalho realizado pelo professor. É também espaço para a pessoa desenvolver sua argumentação original e individualizada. É o momento de expressão da subjetividade: a crítica é o lugar de cada um. É o seu mais recôndito lugar. A crítica pode ser um dos únicos lugares em que podemos desenvolver algo de original e específico. No senso comum, há o desprezo pelo que chamamos de “crítica não construtiva”. Acho que esse dizer aponta para o seguinte fato: toda crítica deve ser feita em constante diálogo com a ética e ter clareza sobre suas bases. A partir de quê estou criticando? Melhor dizendo: em toda crítica deve ser valorizada a ética e apresentado de forma objetiva seus princípios. Ao mesmo tempo, o dizer popular também nos revela que a função da crítica é favorecer a mudança ou superação de alguma dimensão para que a atividade possa ser melhorada (por o dizer tende a rejeitar a crítica que não aponta para o futuro, para a superação dos problemas do presente). Existe assim, uma dimensão evolucionista na crítica. Melhorar sempre (isso é incômodo, não? A evolução tende a desvalorizar o que vem antes, o que precede. E, ao menos em termos de aprendizagem, isso não deve acontecer). A crítica é assim um exercício de esperança. Seja lá o que for, a crítica favorece o aprimorar em sua segunda realização.

Na avaliação feita pelos discentes, ao final do relatório, as “potencialidades” apontadas foram diversas. vários discentes classificaram as aulas daquele módulo como dinâmica e inovadoras
“O módulo foi muito enriquecedor para a minha prática na sala de aula, com textos gratificantes, slides interessantes, domínio da disciplina pelo professor, tendo em vista que pude perceber o quanto é importante que as aulas sejam dinâmicas e inovadoras”.

Outro ponto bem avaliado foi a metodologia utilizada para a identificação da estrutura argumentativa dos textos utilizados. Posteriormente, em outra oportunidade, falo sobre essa metodologia. A metodologia da estrutura argumentativa foi bem avaliada também por uma aluna.
Dessa forma, a CHAVE DE CORREÇÃO dos relatórios ficou estruturada da seguinte forma:
  1. Introdução (quê, por quê, para quê): 1 ponto
  2. Desenvolvimento: principal argumento dos autores trabalhados (NAPOLITANO, 2008; RÜSEN, 2006; HOBSBAWN, 2008; JOLY, 1996; NAPOLITANO, 2006): 0,5 ponto para cada autor. total 2,5 pontos
  3. Conclusão: uma reflexão onde se aponte os limites e possibilidades do trabalho realizado em sala: 2 pontos
Valor total da atividade: 1 + 2,5 + 2 = 5,5  (nos trabalhos, primeiro indico a nota atingida, depois o valor total da atividade). Para transformar a nota em valores de zero a dez, faça uma regra de três: x = quantidade de pontos multiplicado por 10 dividido por 5,5.


Agora, passo às observações gerais.

notei que as pessoas tem uma escrita truncada, desorganizada, com problemas de coesão textual. Isso decorre, principalmente, acho, da dificuldade de fazer frases pontuais, ou seja, fazer uma frase para cada ideia. no geral, os estudantes preferem períodos longos com uma frase apenas. As vezes, um parágrafo inteiro, de quase meia página, tem apenas uma única frase! Períodos longos, pouca frases, texto carregado de informações… isso deve ser evitado pois deixa o texto confuso e de árida leitura. na verdade, quando se acostuma com um nível de leitura, fica cada vez mais difícil ler textos assim. Em grandes e desorganizados parágrafos, a leitura se torna uma espiral sem fim. Ao final, estamos sem fôlego diante do peso acumulado no cérebro por conta da grande quantidade de informações lidas. na verdade, entendemos pouca coisa.
Essa é uma observação constante entre todos os meus alunos e comigo mesmo, nos textos que escrevo. É um problema generalizado na produção da escrita. Engraçado… isso contradiz os princípios de uma narrativa moderna onde se valorizava a economia, a objetividade, quase uma concretude da palavra escrita, iniciada no início do século XX. Economizava-se até os artigos para que a escrita ficasse mais direta. O que acontece com os professores de português da educação básica? Somos pré-modernos? Ou é o pós-modernismo deles que eu não consigo perceber? Ou, trata-se, na verdade, de problemas de formação estrutural, básicos, mesmo? É importante dizer que não são todos. Sempre encontramos nas salas de aula, escritas fluentes e saborosas.
Continuando nossa discussão dos limites do trabalho desenvolvido, eles foram, em geral, relacionados ao “excesso de informações” que além de favorecer à confusão, não deixava tempo para uma discussão mais vertical dos mesmos. Por sua vez, outra aluna disse:
“Em relação aos limites, esses são a composição da ementa para a pouca duração da carga horária, porém este ponto fogem [foge] à governabilidade do professor. Um possível encaminhamento seria um seminário temático com esse tema: contemporaneidade, de 30 horas”.

Uma outra aluna apontou a necessidade da leitura prévia dos textos.

Assim como é importante ter clareza sobre os limites, a consciência sobre potencialidades também contribui para ao processo de ensino-aprendizagem. Em relação a isso, gostei muito quando li, ao final do relatório de uma discente:
“Durante a aula, houve muitas interferência[s] do professor, e isso foi significativo por que [sic. ‘porque’] ele corrigia no sentido de ajudar não de poudar [‘podar’] ou menospres[z]ar o aluno, as orientações foram muito bem vinda[s] […] o que eu posso dizer é que as aulas contribuiu[ram] muito em outras áreas também e podemos fazer uso do que aprendemos em nossa sala de aula, então observei que [o professor] tem um conhecimento erudito e simplicidade isso é muito importante no processo de ensino-aprendizagem”
Outra aluna valorizou o planejamento das aulas. Passo a citar suas palavras
“a academia está carente de professores que planejam. obs.: parabenizo o professor pelo o respeito a nós, por fazer vem feito o seu papel”. a mesma aluna disse que outro ponto positivo foi “a propriedade com que conduziu a exposição sobre as ideias dos autores, o que não deixou em aberto o seu pensamento”. continua a aluna: “as atividades desenvolvidas. elas estão em consonância com a prática em sala de aula e formação”.
Por sua vez, a estudante disse:
“as aulas foram bastante descontraídas, a dinâmica de trabalho do professor foi excelente, pois podemos aproveitar o máximo. ele trabalhou cada texto do planejamento com entusiasmo e de forma clara, e o mais importante foi a relação do trabalho acadêmico com as vivências de sala de aula”
Ao ler os relatório tive uma estranha sensação de ver uma imagem distorcida de mim mesmo, de algumas palavras e ideias. No relatório, é possível (imaginar) se ver por meio do olho do outro. Assim, os relatos se tornam uma forma de retorno importante. Por meio deles, podemos avaliar, relativamente, a forma como nossos argumentos são apreendidos e recebidos pelos discentes. O que a experiência de sala de aula (e da comunicação em si) nos mostra é que entre a enunciação e a recepção existe um deserto de possibilidades, ou seja, todo lado é lado. Claro, aquilo que pomos no papel resulta de uma seleção drástica e radical de tudo o que foi dito em sala, durante as aulas. Mas, feita as ressalvas, não deixa de ser um retorno de nossa própria voz. Bom seria ouvir mais a voz do aluno que a nossa distorcida.


No momento da avaliação, uma coisa boa decorrente do fato de eu não lembrarmos os nomes dos estudantes (ao menos de associar os nomes aos rostos) é que isso favorece a isonomia na hora da avaliação. Nesse momento, devemos ter uma chave de avaliação clara e objetiva pois ela nos ajuda a ser mais justos e evitar todo e qualquer favoritismo.
Há que se destacar algumas tecnologias da esperteza. Como por exemplo, naquelas situações que escrevemos muito mas pouco dizemos. Por exemplo:
“de forma clara, o professor explicou o assunto e nos incintava [sic. o correto é “incitava”, como me ensino ou houaiss digital. mas, parabéns à aluna por sua intenção de usar um verbo pouco usual!] a refletir sobre os pontos abordados”.
Esse é o típico caso da enunciação vazia de enunciado. Não quero dizer aqui que esse procedimento da aluna foi deliberado, consciente. Na maioria das vezes, fazemos falas assim e não temos consciência de seu vazio. É um vício da oralidade que acaba sendo transportada para a escrita. Há que se ter atenção. As falas devem ser ricas em conteúdo substantivo.
Sobre isso, concordei com o que li num relatório:
“Em nome do discurso incoerente de ‘não podar os alunos’, principalmente, os mais tímidos, muitas vezes o professor permite que o ‘fio da meada’ se perca em conversas infundadas e totalmente fora do tema abordado na aula ”.
É uma arte esse exercício do equilíbrio: ao mesmo tempo que devemos estimular a participação, devemos contribuir para que ela não seja vazia, deslocada do sentido da discussão presente. Há sempre um ou outro (eu fui um aluno falador, como sou até hoje, penso) estudante que “gosta de participar”, como dizemos. Há também aqueles que gostam de falar para esconder que não leu o texto mas que, mesmo assim, é inteligente e que dar sua contribuição para a discussão. Mas, quase sempre, essas falas são deslocadas e devemos dizer isso, da melhor forma possível, mas devemos dizer, ao aluno.
A mesma aluna também concordou comigo sobre a ideia de
“sempre referenciar bibliograficamente os textos que utilizamos em nossa prática pedagógica. além de conhecermos e apresentarmos aos alunos a biografia dos autores”.
Esse ponto é uma polêmica quando se trata do ciclo básico. Já ouvi muitos professores dizerem que é ruim citar os autores pois isso confunde a cabeça das crianças. Que a apresentação dos autores, favorece a impressão que “tudo é uma versão”. Os professores dizem “assim, os alunos podem perder o interesse pela história, já que tudo é apenas uma versão de um ou outro acontecimento”. Pode? E o que eles fazem em sala? Fingem que o conteúdo histórico é uma verdade anunciada, que não tem autor, que não foi efetivamente produzida por alguém, em contextos culturais, históricos, teórico-metodológicos específicos? Ou esses professores preferem insistir em continuar subestimando a inteligência dos pequenos estudantes? Na maioria das vezes, quando queremos enganar os outros, quem primeiro enganamos é a nós mesmos.
Um ponto que deve ser destacado é a pouca ocorrência de críticas ao trabalho do professor. Por que? Porque eu vou avaliá-los e essa avaliação depende do que vou ler favorável ou não à mim? Sei que muitos professores agem assim, mas não é correto. É preciso maturidade para separar a pessoa do professor. Mesmo que essa separação seja problemática e quase utópica, é preciso ter o pé no chão e saber que a prática em sala é sim passível de crítica e que elas se referem a um trabalho realizado e não à toda a existência e identidade ultima do professor. Sejamos menos sensíveis.
Entre os pontos positivos das aulas, uma aluna fez referência a uma questão é fundamental para a aprendizagem: a leitura. Vejamos:
“inclusive, [o professor] nos orientou sobre a importância e clareza da leitura e nos convidou a se deliciar nas [com as] palavras no momento da leitura isso é importante, pois devido a quantidade de apostila [textos] que lemos, muitas vezes apresentamos uma leitura mecânica e incompreensiva”
Sobre a discussão feita sobre o uso do cinema em sala, uma aluna o apontou como forma de “dinamizar” a aula. Sobre isso, falo posteriormente. Mas a função do cinema em sala não é dinamizar, mas favorecer as aprendizagens por outras linguagens que não a escrita, apenas.
Outro texto trabalhado se relacionava à análise de imagens (JOLY, 1996). Sobre ele, a aluna disse:
“aprender a ler e a interpretar imagens pode nos oferecer caminhos para ensinar História e melhor compreender o mundo em que vivemos”
Uma coisa citada por várias alunas, nos relatórios avaliados, foi a discussão feita sobre a importância do objetivo para as aulas. Ter clareza sobre os objetivos é importante para selecionar os conteúdos dos textos e livros didáticos escolhidos pelo professor no momento do planejamento da aula. Também, é extremamente importante que os objetivos sejam apresentados no início de cada aula e que os mesmos sejam retomados ao final dela. Retomar os objetivos favorece a avaliação da aula: eles foram atingidos? a discussão foi suficiente para alcançá-los? O tempo foi suficiente para o proposto? A metodologia adequada, contribuiu para o aprendizado? Sendo assim, defendemos algo um tanto óbvio mas que não é tratado com a devida deferência por nós professores: o objetivo é fundamental desde os momentos que antecedem a aula (durante seu planejamento), a comunicação da mesma e, por fim, sua avaliação.
“precisamos escolher os conteúdos, recorta-los as partes mais importantes dando enfoque os que respondem aos objetivos, que os mesmos deverá ajudar a fazer a relação dos conteúdos presentes nos livros didáticos e em outros meios c/ a realidade do educando, com sua vida para dar sentido à história e acabar com a ideia de que história só é coisa do passado. Pois o passado é só um lugar que temos que ir para compreender o presente”

Considerações sobre a avaliação dos relatórios: 

 Ative-me à chave de correção apresentada no início do texto. acredito que os critérios de correção quando são pontuais e precisos favorecem a maior positividade no ato da correção. Como disse, a correção deve ser controlada ao máximo, para evitar um excessivo subjetivismo, assim como favorecimentos escusos do tipo “não gostei do que você fez em sala e agora vou te retribuir”. E, claro, os critérios avaliados devem ser os mesmos para todas as atividades. Assim, acredito, a avaliação se torna mais justa. É por esse motivo que tenho o costume de valorizar a estrutura em detrimento dos méritos pessoais e das especificidades de cada um. Valorizo muito mais o trabalho realizado que a genialidade esporádica. Até porque o trabalho, se bem orientado, sempre traz o mérito da qualidade.

Algumas frases:

“a noção de temporalidade não cabe mais dentro da divisão quadripartite”.
“já começo a compreender a frase de Benedetto Croce de que “a história é sempre contemporânea"
“ficou claro que descrever uma imagem não é analisa-la"
“em 1950 as mulheres não eram participantes da Revolução Francesa"
“toda história é uma história que envolve as pessoas no tempo"
“É importante apresentar apresentar as várias visões sobre um assunto dentro da sala de aula"
“esse diálogo [com o presente] possibilitará a identificação das rupturas e permanências nas várias dimensões históricas"
“A imagem não se destina a ilustrar um texto, pois ela por si mesma já é um texto"
“a obra cinematográfica dialoga com o conteúdo? está em concordância com a cultura audiovisual da turma? O filme corresponde aos objetivos pretendidos para o conteúdo em estudo?"
“a partir dos Annales, a organização da pesquisa histórica passou a ser definida prioritariamente pelos objetivos e não pela cronologia"
“os filmes não são, portanto, uma reprodução do real. mas uma leitura do real, datada, situada espacial, temporal e culturalmente"

O que é fascinante no ofício docente é que os alunos dizem coisas complexas de forma simples (e com isso sempre aprendemos). Uma aluna, ao criticar a concepção preconceituosa que os historiadores metódicos (positivistas) tinham em relação à “história contemporânea” disse:
“segundo eles [metódicos], a história deveria se ater somente ao estudo dos fatos passados sem qualquer relação com o presente, e a contemporaneidade restringe-se ao estudo do presente, como se este não tivesse, em muitas situações, sua origem no passado”.
De forma clara, está dito que a história tem seu sentido garantido se conseguir se vincular à vida das pessoas. O sentido da morte é a valorização da efemeridade da vida. 

Assim, depois de apresentar os termos que orientaram meu trabalho de correção e de ter feito algumas considerações em geral sobre os principais pontos encontrados nos trabalhos dos discentes, concluo minha reflexão sobre a correção dos relatórios das queridas discentes do curso de História Contemporânea.

Sigamos…

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Tarantino Negro

[segue o texto “A vingança dos negros”, de autoria de Eduardo Graça, sobre o novo filme do admiradíssimo Quentin Tarantino publicado no sítio da Carta Capital]
 

A vingança dos negros, por Eduardo Graça

Em meio século de vida, Quentin Tarantino desenvolveu uma paciência de Jó. A cabeleira negra desgrenhada jogada para o lado e as mãos grandes voando de um lado para o outro, como que desconectadas do resto do corpo, oferecem um contraponto à fala cadenciada, quase professoral, com que tenta driblar uma cilada do destino. Seu mais novo filme, Django Livre, a partir de sexta-feira 18 nos cinemas brasileiros, é tão subversivo e contundente quanto violento e profano. Um libelo contra o racismo e a escravidão, mescla o blaxploitation dos anos 1970 com o faroeste espaguete por meio da história do personagem-título, vivido por Jamie Foxx, negro liberto de forma esdrúxula às vésperas da Guerra Civil Americana.
No que o próprio diretor classifica de “catarse histórica”, o Django negro promove um banho de sangue e destrói sem piedade a casa-grande e seus ocupantes no Sul escravocrata. Pois justamente na manhã em que conversa com a imprensa em um hotel de Manhattan surgem as primeiras notícias sobre o massacre na escola primária de Newtown, Connecticut. Logo se tomaria conhecimento de que 20 crianças e oito adultos teriam sido brutalmente assassinados por um jovem de classe média-alta com problemas mentais. E a fetichização da violência, tema recorrente na trajetória do diretor de Kill Bill e Cães de Aluguel, se instauraria no centro da discussão em torno de um dos filmes mais importantes produzidos por Hollywood em 2012.

Em Django Livre, Quentin Tarantino promove um banho de sangue como libelo contra o racismo e a escravidão. Foto: Divulgação
“Meu filme mais violento é Kill Bill. Django é meu filme mais duro, por conta do contexto histórico e do tipo de violência mostrada. Quis abrir duas portas, retratar tanto a brutalidade da escravidão, pouco exposta com todas as tintas no cinema em países marcados a ferro por sua imoralidade, quanto oferecer uma possibilidade de se identificar com a catarse destruidora do protagonista.”
Tarantino não exagera quando fala da dureza que se vê no filme. Para boa parte do elenco, presenciar cenas como as de escravos lutando em uma arena improvisada enquanto os senhores acompanham com gosto para saber quem vai morrer, ou a de um cativo sendo devorado por cães ferozes dá um nó na garganta. “Foi horrível. Mas aquelas não eram histórias novas para mim. As sevícias, as humilhações, a exploração sexual, o que os negros passaram foi tão pior, tão mais intenso que a ideia de que as pessoas vão se chocar me deixa boquiaberto”, diz o protagonista, Jamie Foxx.
Foxx não foi a primeira escolha. Django seria um veículo para Will Smith, mas se diz em Hollywood que o ator da franquia Homens de Preto se assustou com o linguajar e a carga política do filme. Uma revista de entretenimento chegou a tentar contar o número de vezes em que o depreciativo epíteto nigger é usado por personagens brancos e parou quando chegou na casa da centena. “Obviamente, considero apropriado para esse filme o uso corriqueiro dessa palavra. Na sala de edição, cheguei a imaginar que alguém diria que naquela época não se usava esse termo tanto assim, o que já seria uma ingenuidade. Acho ridículo contarem o número de vezes em que a palavra aparece. Não me venham com a história de que eu deveria suavizar o filme para o paladar das audiências contemporâneas. Quis fazer justamente o contrário, perturbar a audiência. Quero que o público sinta na pele as atrocidades da escravidão e reflita”, frisa.

Tarantino não discursa. Fala com calma, de modo articulado, e acha a maior graça quando um jornalista tenta imaginar a reação de seu colega Spike Lee ao sair de uma sessão de Django. Mas quando um repórter pergunta se ele amealhou seus três principais atores negros – além de Foxx, um brilhante Samuel L. Jackson como o maquiavélico Stephen, espécie de administrador da casa-grande onde a derradeira ação se dá, e Kerry Washington, vivendo Broomhilda, a esposa que Django busca desesperadamente – como consultores informais sobre os limites do politicamente correto ele sobe nas tamancas. “Não peço permissão para os negros para tratar do tema do racismo e da escravidão. Escrevi o roteiro e conversei com todos os atores, mas este é o filme que eu quis fazer. E todos estavam do mesmo lado.”
Indicado a cinco Oscars (melhor filme, ator coadjuvante, roteiro original, edição de som e fotografia) e a cinco Globos de Ouro (melhor filme, diretor e roteirista) e eleito pelo American Film Institute como um dos melhores filmes do ano, Django é, escreve no New York Times o principal crítico do jornal, A. O. Scott, uma espécie de Lincoln às avessas. A comparação com o filme de Steven Spielberg, favorito ao Oscar, e que estreia no Brasil na sexta-feira 25, é tentadora. Ambos tratam da escravidão, as tramas se desenrolam no mesmo período histórico e, nas palavras de Scott, “enquanto um abole a escravidão via aprovação da legislação do Congresso, o outro resolve a injustiça explodindo a casa-grande”.
Tarantino, sulista do Tennessee, conta que começou a escrever Django na casa de Christoph Waltz, que interpreta King Schultz, dentista e provável caçador de recompensas. A segunda metade do filme é dedicada ao resgate da mulher de Django  das garras de um brutal senhor vivido por Leonardo DiCaprio em um de seus melhores papéis. “Leonardo tem prazer em construir personagens. Ele chega no set e a proposta é se transformar de fato naquele ser que saiu de minha imaginação, Calvin Candie. Ele não o faz de uma forma psicótica, mas deixa de ser o Leo”, conta.
O principal aliado de Candie na administração da fazenda é Samuel L. Jackson, ator-fetiche de Tarantino. “Quando começamos a ensaiar, passei a repetir as últimas frases do que Leo dizia. Ficou algo assustador, como se um fosse a extensão do outro, como se não houvesse um sem o outro”, diz Jackson, que se lembra da sensação de filmar em uma fazenda com senzala intacta e pensar, em um átimo de segundo, no tamanho das mudanças políticas e sociais ocorridas nas Américas nos últimos 150 anos.
Na análise comparativa de dois dos mais discutidos filmes da temporada de premiações do cinema americano, A.O. Scott argumenta que é preciso sublimar tanto o banho de sangue tão incômodo aos jornalistas chocados com o massacre de Newtown quanto o humor anárquico de Tarantino para se encontrar o núcleo central de Django Livre: o nítido desgosto moral com a escravidão, a simpatia irrestrita pelo oprimido e a afirmação, através da relação de Django e Schultz, da irmandade entre seres tão diferentes. Para o crítico, Django pode não ser um filme melhor que Lincoln, mas é um exercício mais radical, estética e historicamente.
Não é pouca coisa para o cineasta, que termina a conversa com uma ameaça – aborrecido com a decisão da indústria de privilegiar o formato digital e de alta definição, mais próximo da tevê do que a velha película. Tarantino diz que Django pode ser seu derradeiro filme. “Estou pensando em me aposentar. Não entrei nessa indústria para fazer tevê em tela grande. Deixei de lado certos prazeres da vida para fazer cinema e só cinema. Não me casei, não tive filhos, pensei, respirei e transpirei cinema e estou feliz com o resultado, pois o cinema vale o sacrifício. Mas, se for para filmar em digital, pode escrever que depois de Django vou casar, ter filhos e ficar em casa. E só.”

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Regulamentação da profissão histórica

[coletânea das discussões recentes sobre a regulamentação profissional do historiador]


DOCUMENTO (2012.12.14): [texto da professora Keila Grinberg publicado na Ciência Hoje]

Por um olhar do historiador, texto de Keila Grinberg


  Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/em-tempo/por-um-olhar-do-historiador


Regulamentação da profissão de historiador não significa que só quem tiver graduação na área poderá escrever sobre a história. (montagem: Marcelo Garcia)
Quando comecei a pensar que estudar história poderia ser uma boa opção para o meu futuro profissional – em vez de economia, educação física ou medicina; acreditem, considerei todas essas possibilidades –, um colega de turma na escola não escondeu sua perplexidade. “Mas, em que você vai trabalhar?”, perguntou ele. Ao que respondi com a maior naturalidade: “Vou ser professora e pesquisadora”.
Não havia jeito de convencê-lo de que o passado também se pesquisa, e de que aquilo que aprendemos na escola muda com o tempo
Era a menção à pesquisa que ele não entendia: “Como assim, pesquisar o passado? O passado a gente conhece. Aprende na escola. Pesquisa é para o futuro, para os cientistas descobrirem, por exemplo, a cura do câncer.” Não havia jeito de convencê-lo de que o passado também se pesquisa, e de que aquilo que aprendemos na escola muda com o tempo – o que nossos pais aprenderam é diferente do que nós estudamos, que, por sua vez, será diverso do que ensinarão a nossos filhos.
Provavelmente, naquela época, eu também não sabia explicar isso direito. E meu amigo continuava a balançar a cabeça, meio penalizado por eu fazer uma escolha que lhe parecia estapafúrdia.
O tempo passou e lembrei dessa história a propósito da polêmica sobre a regulamentação da profissão de historiador, recém-aprovada pelo Senado Federal (mais informações no site da Associação Nacional de História).
O projeto de lei n° 368/09 prevê que a profissão seja exercida por diplomados em cursos de graduação, mestrado ou doutorado em história. Por exercício da profissão, entende-se a atuação como professores de história nos ensinos básico e superior e o “planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica”, além do “assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos para fins de preservação”.

Para que regulamentar?

As discussões sobre os objetivos da regulamentação têm sido intensas. Em um país com tradição corporativa como o nosso – basta lembrar a tentativa de desregulamentação da profissão de jornalista –, aqueles que defendem a regulamentação entendem que é preciso garantir mercado de trabalho para atividades que são geralmente, mas nem sempre, exercidas por historiadores.
Entre os contrários à regulamentação, há dois tipos de argumento: os que são contra toda e qualquer regulação profissional, e os que se opõem especificamente à criação da profissão de historiador, uma vez que esse conhecimento específico poderia ser adquirido de outras maneiras que não a formação universitária.
Senado Federal
Projeto de lei aprovado pelo Senado prevê que a profissão de historiador seja exercida por diplomados em cursos de graduação, mestrado ou doutorado em história. (foto: Wikimedia Commons)
Quando penso no assunto, oscilo. A princípio, sou contra regulamentações, amarras, prescrições. Ao mesmo tempo, sobretudo em um país em que o Estado é o grande empregador, resistir à regulamentação é perder oportunidades de ter historiadores trabalhando em instituições como arquivos e museus. O problema parece insolúvel: se não podemos acabar com as regulamentações das profissões, então regulemos a nossa. Mas, quanto mais regulamos, mais longe estamos de nos livrar das regulamentações.

Equívocos na mídia

Chama a atenção nessa discussão o fato de o debate na mídia não ter relação com a polêmica real. Os boatos que andam circulando – e que, se  bobear, rapidamente ganham status de verdade – afirmam que o projeto de lei impede que não-historiadores escrevam história. Nada disso.
O projeto não versa sobre a escrita da disciplina; nem poderia. A história é de ninguém. E de todo mundo
O projeto não versa sobre a escrita da disciplina; nem poderia. A história é de ninguém. E de todo mundo. Claro que um pouquinho de conhecimento ajuda, o que não acontece com todos os que se arvoram a escrever livros na área. Mas isso não vem ao caso. Quanto mais gente escrever sobre história, quanto mais filmes e novelas de época houver, melhor.
Mas existe aí um ponto importante para reflexão. Por trás da defesa da ideia de que não é preciso ser historiador para se escrever história, nem mesmo ser formado na área para lecionar a disciplina nas escolas, talvez haja um total desconhecimento sobre o que se aprende nos cursos de graduação em história – considerando que a maioria dos assim chamados historiadores serão os graduados na área – e que seria tão importante para o exercício da profissão.
Quadro da Independência
Detalhe do quadro 'Independência ou morte', de Pedro Américo. Longe de se resumir a fatos, datas e nomes, a história é mutável e revisada à luz de novos estudos e reflexões. Entender isso é fundamental para quem escreve, pesquisa ou ensina história. (imagem: Wikimedia Commons)
Isso me remete de novo às ponderações de meu amigo de escola. Será que as pessoas acham – como ele achava – que nos cursos de história estudam-se fatos, datas e nomes relacionados a processos históricos? Para aprender isso, certamente, não é preciso cursar uma graduação na área. A leitura de uma boa enciclopédia basta. E, se for para ensinar isso nas escolas, também não há necessidade de ser formado em história.
Sem entender que o conhecimento histórico é mutável e incompleto, que o que se sabe sobre um período muda com o tempo, com novas pesquisas e reflexões, não se faz história
Mas não é isso o que aprendemos e ensinamos nos cursos de graduação na área. Aprendemos, e ensinamos, que existe um ‘olhar do historiador’, ao qual Benito Schmidt, presidente da Associação Nacional de História, faz referência ao defender a presença de historiadores em diversos espaços sociais.
E esse olhar, que nada mais é do que a compreensão da natureza do conhecimento histórico, é fundamental tanto para quem vive de pesquisar e escrever história quanto para quem vive de ensiná-la, em qualquer nível. Sem entender que o conhecimento histórico é por essência mutável e incompleto, sem perceber que o que se sabe sobre determinado período ou processo muda com o tempo, com novas pesquisas, novas reflexões, não se faz história. É isso o que o futuro profissional de história aprende na universidade.
Esse ‘olhar do historiador’ pode até ser aprendido por quem não faz um curso superior de história. Mas não será bom historiador quem não apurar essa mirada, quem não observar através do objeto estudado, quem não souber enxergar.

Keila Grinberg 

Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro


DOCUMENTO (2012.12.17): [entrevista com a professora Tereza Malatian (orientadora de mestrado da nossa historiadora Fabiane Costa) falando sobre a regulamentação da profissão histórica]


 

Notícias Univesp - Regulamentação da profissão de historiador - Teresa Malatian


A historiadora e professora Teresa Malatian defende o projeto de regulamentação da profissão de historiador, proposta por um projeto aprovado no Senado Federal, em Brasília. Se aprovado também pela Câmara e sancionado pela presidente, somente historiadores poderão dar aulas de História, trabalhar com documentação, pesquisas e organização de exposições, documentos e informações históricas.






DOCUMENTO (2012.12.10): [depoimento da professora Laura de Mello e Souza]

A DELÍCIA DE SER, AFINAL, HISTORIADOR

10/12/2012
Laura de Mello e Souza
Professora Titular da USP e, sim, Historiadora
Pesquisadora do CNPq na área de História desde 1992

Apesar de não ter acompanhado de perto os passos que levaram, nos últimos tempos, à regulamentação da profissão de historiador, só a posso saudar com entusiasmo, pois o debate já se encontrava na pauta das nossas reivindicações quando, nos anos 1970, entrei na universidade. Hoje, após 33 anos de atividade universitária, sou uma professora veterana, que tive a sorte de acompanhar trajetórias brilhantes, contribuindo à formação de quadros no nosso país. Mas antes, quando comecei minha vida profissional, e durante muito tempo, fui unicamente pesquisadora, vivendo de bolsas até conseguir contratação no Departamento de História da USP. Naqueles tempos, e desde estudante, sentia-me historiadora, e por não ser professora acabava me vendo às voltas com uma espécie de crise de identidade. Não concordo com as vozes que levantam dúvidas quanto às vantagens da regulamentação, alegando que restringirá a atuação dos que não são historiadores. Ninguém jamais deixará de reconhecer em pessoas como Alberto da Costa e Silva o notório saber do melhor dos historiadores, o que contudo não impede que haja procedimentos que garantam aos profissionais da história o exercício da sua profissão. Não se nega o estatuto profissional a médicos nem a engenheiros. Por que negá-lo ao historiador? Talvez porque, no fundo, paire a dúvida quanto à  especificidade do nosso campo de conhecimento, a história sendo vista como assunto meio indistinto, no qual toda pessoa medianamente instruída pode meter sua colher. Cabe a nós, historiadores, deixarmos claro que nossa formação é complexa, morosa e sofisticada. Motivos estes que, junto a tantos outros, justificam plenamente que hoje possamos nos reconhecer e ser reconhecidos como historiadores. Ufa! Até que enfim!




  DOCUMENTO (2012.11.30) [texto do presidente da ANPUH, publicado no jornal FSP]

REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE HISTORIADOR


Algumas controvérsias derivam do desconhecimento do projeto. Ninguém vai ser impedido de escrever sobre história, mas os professores tem de ser da área

A recente aprovação do projeto de regulamentação da profissão de historiador no Senado Federal, no último dia 7, tem gerado algumas controvérsias que, do nosso ponto de vista, derivam de certas incompreensões e até mesmo do desconhecimento do texto do projeto.
Alguns têm alegado que a regulamentação conduzirá ao cerceamento da liberdade de expressão daqueles que, mesmo não sendo historiadores de formação, escrevem sobre o passado.
Neste sentido, citam, inclusive, nomes de grandes intelectuais que produziram e continuam produzindo verdadeiros clássicos da historiografia brasileira.
Outros afirmam que a necessidade de formação específica levará à falta de professores de história no ensino fundamental, já que hoje muitos ministrantes desta disciplina realizaram outros cursos de graduação, como pedagogia, ciências sociais e filosofia.
Sobre o primeiro argumento contra o projeto, ele só é manifestado por quem não conhece o seu teor. Em nenhum momento foi proposto que historiadores profissionais tenham exclusividade na formulação e divulgação de narrativas históricas.
Jornalistas, cientistas sociais, diplomatas, juristas, economistas e todos os cidadãos poderão continuar a produzir conhecimento histórico -e esperamos que isso aconteça, pois só a partir de perspectivas diferentes e multidisciplinares conseguiremos fazer avançar a historiografia brasileira que, por sinal, é bastante consistente e tem grande reconhecimento internacional.
Além disso, advogar esta exclusividade aos historiadores profissionais seria atentar contra as liberdades democráticas, o que não é o caso aqui. Prova disso é que o projeto foi apoiado por todas as lideranças partidárias do Senado, demonstrando que ele não tem um viés político-partidário específico.
Quanto ao segundo argumento, defendemos sim que os professores de história realizem alguma etapa de sua formação em história (na graduação ou na pós-graduação), já que acreditamos que nossos alunos do ensino básico devem ter o direito de aprender com docentes qualificados e possuidores de conhecimentos e habilidades específicas nas áreas que lecionam.
Isso não é desmerecer professores de outras disciplinas, mas reconhecer que cada campo disciplinar implica a aquisição de saberes específicos, mesmo que em diálogo com outros âmbitos de conhecimento.
(No caso dos professores de história, por exemplo, a atenção às múltiplas temporalidades, a crítica e a interpretação dos documentos, a atualização historiográfica, a atenção às relações entre história acadêmica e história ensinada etc.)
De qualquer forma, esta especialização do corpo docente não se dará de uma hora para outra. Afinal, a própria Lei das Diretrizes e Bases da Educação prevê que, quando não há professores formados nas disciplinas específicas, devem ser aproveitados professores com outras formações e só, em último caso, professor sem nenhum formação.
Isso não impede, contudo, que, a médio e longo prazo, continuemos lutando pela qualificação e especialização de nossos professores, sem deixar de estimular, é claro, o saudável diálogo interdisciplinar.
Ou seja, o projeto não veda a ninguém o direito de escrever sobre história nem pretende impor de uma hora para outra a especialização a todos os docentes. Apenas quer assegurar a presença de historiadores profissionais em espaços dedicados ao ensino e à pesquisa científica em história, para que esses possam, em colaboração com outros estudiosos, contribuir para o avanço da área.

PAULO Paim, 62, é senador pelo PT-RS, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado e autor do projeto de lei citado no artigo

BENITO BISSO SCHMIDT, 42, é professor de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil)




DOCUMENTO (2012.11.23) [texto do professor Marcos Silva, da USP]

UM HISTORIADOR VALE TANTO QUANTO UM MÉDICO OU UM ADVOGADO, NÃO É?

O Senado brasileiro vem de aprovar lei regulamentando a profissão de Historiador. A partir de agora, algumas tarefas específicas passarão a ser privilégio profissional de quem tiver formação acadêmica na área. Não é a primeira carreira de nível superior que merece essa regulamentação. Mesmo no campo das Ciências Humanas, Sociólogos e Geógrafos já desfrutam há alguns anos de condição similar.
Participo do debate sobre a questão, na área de História, ao menos desde os anos 80 do século XX. Lembro de colegas que sustentavam a falta de necessidade de regulamentação em nosso espaço profissional, considerando que importantes historiadores brasileiros do século XX (Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Jr.) não tinham formação em curso superior de História. Esse argumento apresentava duas graves fragilidades: 1) quando os três fizeram cursos superiores, não havia bacharelado em História no Brasil; 2) Freyre, Buarque de Hollanda e Prado Jr. tiveram condições pessoais ou familiares para requintadas formações humanísticas fora do Brasil - respectivamente, Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha.
A situação é muito diferente para um jovem brasileiro de classe média ou menos que, nos dias de hoje, estuda História e se lança num mercado de trabalho fortemente regulamentado noutras áreas. Permanecer nesse mercado fora de suas regras dominantes é assistir à consolidação dos direitos alheios sem garantia de direitos próprios.
Regulamentar uma profissão é definir exclusividades de exercício, sim. Isso não se confunde com impedir o direito ao pensamento. A História, como tema, sempre será objeto de livre acesso para jornalistas, ficcionistas, advogados, médicos, cidadãos em geral... O desempenho profissional na área, diferentemente, dependerá de uma comprovada capacidade técnica e teórica, obtida em formação acadêmica - como ocorre em relação a médicos, engenheiros, dentistas...
Há quem legitime a regulamentação de algumas carreiras (Medicina e Direito, particularmente) e reivindique a liberdade de prática profissional para as demais: Medicina lida com vidas humanas, Direito zela pelas garantias individuais e coletivas diante da Lei. Quer dizer que falar sobre o tempo humano (fazer, memória) não possui igual magnitude? Quer dizer que pesquisar e ensinar o Holocausto Nazista ou a Ditadura brasileira de 1964/1984 não é tão minucioso quanto interpretar uma lei ou fazer uma cirurgia? Não vejo hierarquia entre essas práticas. Respeito muito os colegas profissionais de outras áreas regulamentadas. Tenho muito respeito por mim mesmo e pelos demais colegas de minha área profissional.
Enquanto houver regulamentação de algumas profissões, não vejo legitimidade em exigir desregulamentação de outras. Agora, podemos conversar sobre desregulamentação geral das profissões no Brasil. Quem se habilita?

Marcos Silva, Professor Titular de Metodologia da História, FFLCH/USP.




DOCUMENTO (2012.11.14) [resposta do presidente da ANPUH ao Jornal Folha de São Paulo, de 10.11.12]


PROFISSÃO DE HISTORIADOR: MARCHA DA INSENSATEZ OU DO DESCONHECIMENTO?


Nós, historiadores profissionais, sabemos que uma das regras básicas do nosso ofício é a elaboração de um discurso de prova, assentado na pesquisa e na crítica dos vestígios do passado, os documentos . Fernando Rodrigues, por não ter essa formação, talvez desconheça essa regra tão elementar e, por isso, não se deu ao trabalho de ler com atenção o documento que deveria balizar a sua análise (sic) publicada no jornal Folha de São Paulo de 10 de novembro de 2012: o Projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador, aprovado no Senado Federal na última quarta-feira. Em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas. Apenas estabelece que as instituições onde se realiza o ensino e a pesquisa de História contem com historiadores profissionais em seus quadros, por considerar que, ao longo de sua formação, eles desenvolvem habilidades específicas como a crítica documental e historiográfica e a aquisição de conhecimentos teóricos, metodológicos e técnicos imprescindíveis à investigação científica do passado. Da mesma maneira, a regulamentação pode evitar que continuem a se verificar, nos estabelecimentos de diversos níveis de ensino, situações como a de o professor de História ser obrigado a lecionar Geografia, Sociologia, Educação Artística, entre outras disciplinas, sem ter formação específica para isso (e vice-versa).
Temos certeza que o Senador Cristovam Buarque, tão sensível aos problemas da educação brasileira, apóia esta idéia, pois ela possibilita um ensino mais qualificado.
Temos certeza também que o Senador José Sarney, conhecedor do teor do projeto, está tranqüilo, pois sabe que não vai ser impedido, como nenhum cidadão brasileiro, de escrever sobre a história de seu estado, ou de qualquer período, indivíduo, localidade ou processo. Isso atentaria contra as liberdades democráticas, das quais os historiadores profissionais são grandes defensores.
Fique tranqüilo senhor Fernando Rodrigues, o senhor também poderá escrever sobre história. Só sugerimos que leia os documentos necessários antes de o fazer.

Benito Bisso Schmidt, Presidente da Associação Nacional de História - ANPUH-Brasil
(Gestão 2011-2013)




DOCUMENTO (2012.11.10) [artigo publicado na Folha de São Paulo, de autoria do jornalista Fernando Rodrigues]

Historiador? Só com diploma

BRASÍLIA - Poucos notaram, mas o Senado aprovou um projeto de lei estapafúrdio na última quarta-feira. Eis o essencial: "O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de diploma de curso superior em história, expedido por instituição regular de ensino".
Em resumo, se vier a ser aprovada pela Câmara e depois sancionada pela presidente da República, a nova lei impedirá que pessoas sem diploma de história possam dar aulas dessa disciplina.
A proposta é de um maniqueísmo atroz. Ignora que médicos, sociólogos, economistas, engenheiros, juristas, jornalistas ou cidadãos sem diploma possam acumular conhecimentos históricos sobre suas áreas de atuação. Terão todos de guardar para si o que aprenderem.
Há sempre a esperança de alguém levantar a mão e interromper essa marcha da insensatez na Câmara. Mas mesmo que seja abortado, o episódio não perderá a sua gravidade. Trata-se de um alerta sobre a obsolescência e a falta de lógica do processo legislativo brasileiro.
A ideia nasceu em 2009. Era um projeto do senador Paulo Paim, do PT gaúcho. Em três meses, o senador Cristovam Buarque, do PDT de Brasília, deu um parecer favorável. Ouviu um chiste de José Sarney: "Você quer me impedir de escrever sobre a história do Maranhão".
Cristovam parece arrependido do seu protagonismo. Indica ter deixado tudo para assessores, sem supervisioná-los como deveria. Erros acontecem. Só que o senador defensor da educação não quis reconhecer o equívoco na quarta-feira. Preferiu se ausentar do plenário.
O Senado tem 81 integrantes. Só dois votaram contra o diploma obrigatório para historiadores: Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Pedro Taques (PDT-MT). É muito pouco para impedir que o país se transforme, de lambança em lambança, numa pátria das corporações.


DOCUMENTO (2011.08.19) [editorial assinado pelo presidente da ANPUH]

Agora é oficial. A ANPUH apoia a regulamentação da profissão de historiador


O título deste texto pode soar um tanto estranho para muitos colegas que militam há tempos em nossa associação. Afinal, uma de suas bandeiras históricas mais conhecidas é, justamente, a luta pela regulamentação de nossa profissão. Como assim, podem eles perguntar, só agora a ANPUH passou a apoiar oficialmente essa causa? De fato, em muitos momentos, a ANPUH lutou pela regulamentação, inclusive participando da redação de projetos de lei e pressionando parlamentares. Porém, tal atuação dependia da vontade e da postura dos dirigentes da associação, pois não havia nenhum documento oficial que afirmasse o comprometimento da entidade com essa luta. Tanto que, em determinadas gestões, quando os membros da diretoria entendiam, baseados em respeitáveis argumentos, cabe dizer, que a regulamentação não era apropriada, o empenho pela causa esmorecia e as ações por sua implementação não eram levadas adiante. Porém, na nossa última Assembléia Geral, realizada no mês passado durante o XXVI Simpósio Nacional de História, o comprometimento com a regulamentação, por ampla maioria de votos, tornou-se oficial, consta em ata, e deve ser uma tarefa da entidade independente de quem sejam os seus dirigentes. Respeitamos os posicionamentos contrários. Muitos colegas alegam que a regulamentação profissional contribui para uma formatação corporativa da sociedade, cara a regimes autoritários; outros, que ela estimula a competição e exclui olhares “não profissionais” que muito podem contribuir para o conhecimento histórico. Essas, e outras, são argumentações válidas e respeitáveis. Mas, apesar disso, a ANPUH apóia a regulamentação por reconhecer que há competências específicas do profissional de História, adquiridas ao longo de anos de formação, que não podem ser substituídas pela ação de outros profissionais. Além disso, cada vez mais atuamos em um campo em expansão, aquele ligado à memória e ao patrimônio, onde atuam também outros profissionais que têm profissão regulamentada, como museólogos, arquivistas, arquitetos, turismólogos, etc., o que, na prática, implica seguidamente a exclusão do “olhar do historiador”. Por exemplo, um museu histórico deve obrigatoriamente contar em seus quadros com um museólogo, mas não com um historiador, o mesmo valendo para um arquivo histórico em relação aos arquivistas. Só para citar um caso concreto: recentemente houve um concurso público para o cargo de historiador em uma instituição oficial ligada ao patrimônio; porém, para ocupá-lo, não era necessário ter formação na área de História, seja de graduação, seja de pós-graduação. Não queremos estimular a competição, mas sim afirmar que, nas equipes interdisciplinares e colaborativas que devem atuar nessas instituições, o papel do historiador é imprescindível. Da mesma forma, a regulamentação parece-nos importante por evidenciar que tanto o ensino de história quanto a pesquisa histórica devem ser praticados por profissionais específicos, os quais, embora possam ter feito partes de sua formação em outras áreas (e os projetos que tramitam no Congresso são suficientemente abertos para abarcar esses casos), desenvolveram habilidades específicas, que não podem ser facilmente improvisadas por não historiadores. Obviamente, a regulamentação da profissão não pode ser encarada como a solução de todos os nossos problemas. Precisamos nos defrontar com uma série de desafios teóricos, metodológicos, técnicos e éticos para delinearmos com mais precisão o nosso espaço. Mas sem dúvida é um passo importante para a profissionalização. Por isso, convidamos a todos os colegas a se engajaram nessa luta. Dia 19 de Agosto é o Dia do Historiador. Conhecemos bem a eficácia simbólica das comemorações. Por isso, como no ano passado, queremos transformá-la em DIA DE LUTA PELA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO! Temos um projeto tramitando no Senado, o PLS 368 de 2009, já aprovado em várias comissões, e outro na Câmara, o PL 3759/2004, atualmente aguardando parecer na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Pressionem os seus senadores e deputados para aprová-los. Só a nossa ação política coletiva vai permitir que a nossa demanda seja efetivada! Para saber mais sobre a regulamentação e os projetos, consulte no site na ANPUH o link “Profissionalização”.

Saudações anpuhanas e parabéns a todos nós pelo Dia do Historiador

Benito Schmidt Presidente da ANPUH (Gestão 2011-2013) Diretoria Biênio 2011-2013

Comissão da Câmara aprova proposta que regulamenta profissão de historiador

Disponível em: http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2014/04/10/comissao-da-camara-aprova-proposta-que-regulamenta-profissao-de-historiador.htm

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara aprovou projeto do Senado Federal que regulamenta a profissão de historiador (PL4699/12). A proposta tramita em regime de urgência e está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois segue para votação do Plenário.
O projeto determina como próprias da profissão a sistematização de informações para exposições e eventos, organização de serviços de pesquisa histórica, tratamento de documentos e elaboração de pareceres e laudos.
De acordo com o texto, é exigido que o profissional tenha diploma de curso superior em História. Também determina que somente historiadores podem dar aulas no ensino básico e médio.
Com relação ao ensino de Historia, o relator da proposta, deputado Policarpo (PT-DF), propôs, em seu substitutivo, que seja reconhecido o direito de quem já leciona História, mesmo sem formação específica.
Ele incluiu um inciso que contempla as pessoas que trabalham como historiadores há pelo menos cinco anos.
Policarpo disse que todas as alterações foram feitas a partir de discussões com as entidades de profissionais de História. Ele afirmou que há mais de 30 anos tramitam na Câmara propostas para regulamentar a profissão de historiadores, mas que elas não chegaram a uma conclusão.

Concursos públicos para historiadores

O presidente da Anpuh (Associação Nacional dos Professores Universitários de História), Rodrigo Patto Sá Motta, afirma que a proposta é importante para qualificar o ensino de História e também para permitir a criação de carreiras específicas em órgãos públicos, qualificando o trabalho em museus e outras instituições.
Para Rodrigo Motta, que é professor de história da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), outra vantagem da aprovação do projeto é a possibilidade de abertura de concursos públicos para historiadores em órgãos que não fazem esses concursos exatamente pela falta de regulamentação.
(Com Agência Brasil)