terça-feira, 21 de julho de 2015

Uma análise de "As origens do professor Xavier e do Fanático"

"Capa de X-Men Classic II, n.1" (1995)

A A história intitulada "As origens do professor X e do Fanático" foi originalmente publicada, nos EUA, em 1965, pela Marvel Comics. O argumento é de Stan Lee e Jack Kirby. Desenhos de Kirby e Alex Roth . Finalização de Vince Colletta e Joe Sinnott. Foi publicada no Brasil em agosto de 1995, na série "X-Men Classic II" (capa acima), número 1, pela editora Abril Jovem. 

Nessa história, ocorre o primeiro encontro dos 'X-Men' originais e o vilão chamado 'Fanático'. Ela aborda a infância do professor Charles Xavier e de seu "irmão" (Cain, filho de seu padrasto). 

Brian Xavier, pai do futuro Professor X, falece numa "explosão atômica", em Alamogordo, no Novo México. Seu suposto amigo, dr. Kurt Marko, sobrevive. Interessado na fortuna do amigo falecido, casa-se com sua esposa Sharon. Filho único, Xavier não aprova o casamento, pois, mesmo sem saber de seus poderes telepáticos, já consegue perceber que Marko interessa-se apenas pela fortuna do falecido pai. 

Mesmo sem ter consciência, Xavier nasceu com seus poderes de mutante. Na referida história, é o dr. Marko quem os 'revela' ao menino Xavier. A situação é a seguinte: num acesso de raiva, Cain filho de dr. Marko, faz explodir o laboratório onde estavam. Heroicamente, Marko salva Cain e Xavier da morte no fogo. Antes de falecer, sussurra à Xavier: "tenha cuidado com Cain, quando ele descobrir seus poderes". Mas antes de revelar isso, pede perdão à Xavier e confessa que por covardia, não salvou seu pai.

O nome Cain remete-nos à tradição judaico-cristã. Cain, assim como o da bíblia, é o irmão mau. Xavier, é o irmão bom. Os criadores da história lançam mão da tradição cristã como referencial mitológico de fundo, para criarem seu enredo. Como percebemos, os criadores das histórias em quadrinhos utilizam-se dos vários arquivos mitológicos existentes nas diferentes culturas humanas para criarem suas narrativas visuais e literárias, chamadas por nós de gibis ou de revistas em quadrinhos.

M8 (p.63)

É na adolescência que Xavier 'descobre' de vez seus poderes, ou seja, que passa a ter consciência e a dominá-los, utilizando-os para diferentes fins: aprender as lições escolares, antecipar os movimentos dos adversários nos jogos de futebol, deslanchar frente aos concorrentes na maratona... era um atleta! Tal recurso narrativo (construir Xavier com um atleta) em nossa opinião serve para aumentar o seu drama de paraplégico. No passado juvenil, um homem ágil, de corpo e mente. No presente, uma pessoa "paralítica" (p.56) (palavras usadas na própria história) cujo corpo físico está limitado aos movimentos de sua cadeira. Somente o corpo, pois, como sabemos sua mente não possui limites físicos e espaciais. 

A história de como o Professor Xavier ficou paralítico também é referida nessa história aqui. Em resposta à pergunta de um de seus alunos mutantes, ele diz que o responsável por sua paralisia foi "Lúcifer" (outra referência ao universo cultural judaico-cristão). Em nota explicativa da publicação brasileira, está dito que essa história foi contada em "Origens dos Super Heróis Marvel 02).

É também Xavier quem nos conta a origem de seus poderes: "provavelmente adquiridos com a radiação a que meus pais se expuseram numa instalação nuclear antes de eu nascer", nos conta. No universo dos X-Men, é a radiação atômica que justifica a existência dos poderes mutantes. Inclusive, os mutantes são representados, em todos os aspectos, como superiores aos humanos: "nenhum ser humano comum tem chances contra um mutante", afirmou o Professor Xavier ao golpear seu irmão Cain (p.54).

Por meio da historiografia, sabemos que o medo de uma Terceira Guerra Mundial, provocou uma corrida armamentista entre as duas grandes potências econômicas mundiais: Estados Unidos, liderando o bloco dos países capitalistas, e a União Soviética (atual Rússia), liderando os países do regime social e econômico que foi chamado de "comunismo". Esse é o contexto da Guerra Fria, ordem geopolítica que polarizou as políticas internacionais entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim, em 1989. É óbvio que tal contexto histórico também serviu de alimento criativo para os autores tanto dessa história em particular (publicada em 65) quanto para a série, em geral.

Diferente do Professor X, Cain recebeu seus poderes como uma maldição. Ambos participando da guerra da Coréia, Cain fugiu como desertor acovardado para uma gruta. Lá era o templo sagrado de Cyttorak. Ao tocar a gema, adquire "os poderes das faixas escarlates de Cyttorak" (p.58). Cain torna-se, "para sempre, uma força fanática e irreversível". Assim nasceu o malígno "Fanático", "uma força irresistível que pode aniquilar qualquer coisa em seu caminho" (p.59). Possui tanta energia que seu "corpo emite ondas de força" (p.64). Cain/Fanático possui uma proteção contra o poder de seu irmão Xavier: um capacete psiônico que o protege dos ataques mentais (p.65). 

Página de créditos da edição

Outro destaque da história é a ênfase dada ao combate em conjunto, em equipe: "nada de heroísmo Anjo! Vamos atacar juntos" (p.68), diz Ciclope ao atacar Fanático.

Quando essa edição foi publicada (1995) eu já tinha diminuído um pouco meu vício por HQ's. O auge dele foi no ano de 1994, quando eu morava em Macapá, capital do estado do Amapá. Nesse ano, para financiar meu vício, cheguei a vender revistas de casa em casa. Também montei uma banca de revistas no bairro pobre em que eu morava. O lucro de ambas iniciativas, nunca chegou a ser suficientes para pagar minhas revistas. Essa história conto depois... 

As revistas em quadrinhos constituem um tipo de liguagem narrativa específica. Texto e imagens são articulados para dar vida à história. A matéria narrativa das revistas em quadrinhos é sintética. A coerência, a coesão, a linearidade dos acontecimentos, o desenvolvimento do enredo, tudo é apresentado como síntese, criada pelos elementos textuais (os famosos 'balões' que expressam as falas dos personagens, quando composições geométricas que apresentam a 'voz over' do narrador). 

 

Modelo de quadros narrativos: M1 (p.44)

Um elemento que importar verificar na história é sua composição gráfica, isto é, em quantas unidades de imagens (que chamaremos de quadros) e como essa unidades estão dispostas nas páginas da revista. Verificamos os seguintes modelos: 

M1: um único quadro para toda a página. Uma página inteira é um recurso que atribui a imagem um grande valor. No caso, trata-se do quadro de abertura da história, na página 44. O sentido da narrativa dá-se parte superior para a inferior, de cima para baixo da página. Mas, ao mesmo tempo, o sentido da narrativa também dá-se em conjunto, na somatória das informações presentes, sejam elas textuais ou imagéticas. Em todas as páginas da história, esse é o único quadro de página inteira.

 M2 (p.45)

M2: Como é padrão nas HQ's mais tradicionais (caso da história analisada nesse texto), o sentido espacial da narrativa dá-se de cima para baixo e da esquerda para a direita. O modelo M2 dispões graficamente as informações em três conjuntos: 2 + 1 + 2. Essa disposição é uma breve variação do formato mais comum. Na história analisada, ele ocorre duas vezes.

M3 (p.49)

M3: Esse é o formato gráfico padrão das HQ's tradicionais. É o que faz um uso mais 'racional' do espaço da página, dividindo-a em seis quadrados de mesmo tamanho, ou dois quadros para cada uma das três 'linhas' da página. A disposição dos conjuntos é: 2 + 2 + 2 Na história analisada, é o padrão majoritário, compondo 23 páginas do total de 38.

 

 

M4: variação tanto do M3 quanto do M2, aqui temos um único quadro na parte superior (linha um). A disposição dos conjuntos é: 1 + 2 + 2. Esse modelo ocorreu três vezes.


M4 (p.46)

M5 (p.69)

 

M5: é uma variação dos modelos anteriores. A disposição dos conjuntos é: 2 + 2 + 1. Esse modelo ocorreu uma vezes. Isso nos leva a supor que a parte de baixo da página, é um dos espaços gráficos menos valorizados.

Os modelos M2 até M5 são os mais tradicionais e conservadores da linguagem analisada. São pequenas variações de uma mesma forma. Mas, de todos, o M3 é a disposição mais conservadora. É o feijão com arroz da história. Os outros, ao destacar uma cena em detrimento das demais, aumentam o interesse do leitor pela cena desenhada, já que o seu espaço favorece mais detalhes. Isto, consequentemente, aumenta a sua importância narrativa e dramática dentre os outros acontecimentos desenhados. Nos exemplos de M2, M4 e M5 apresentados aqui, o leitor pode ver que ação desenhada é mais complexa, e a presença de alguns elementos gráficos são enfatizados favorecendo a representação de movimento ou de grandes objetos cênicos, como, por exemplo, a pista de gelo (p.45) ou um extenso buraco (p.46).

Existem outros modelos de disposição dos quadros como o M6 e o M7. O primeiro ocorre duas vezes. O Segundo, uma única vez. Sua raridade também provoca um efeito dramático, pois é o momento da história que temos um ápice emocional. No caso, é o momento do encontro do Professor X com o Fanático. O M8 também é uma disposição gráfica rara, ocorrendo apenas uma única vez. Mas não é somente esse o seu valor. Esse é o formato criado para representar uma cena de ação. Seu caráter fragmentado contribui para o aumento da velocidade das ações desenhadas. Aqui a forma dialoga intimamente com o conteúdo.

M6 (p.47)

Impressiono-me muito com o poder de síntese que é preciso ter para contar uma história em quadrinhos e prender a atenção do público leitor. Afinal, tudo ali tem um custo e contar uma boa história em poucas páginas (quanto menor o número de páginas, menor o custo de toda a cadeia produtiva) requer várias habilidades. Principalmente, quando uma história é contada por várias pessoas, isto é, quando um grupo de diferentes funções trabalham juntos para contar uma história (o caso das HQ's): autor dos argumentos (como os roteiristas do cinema e da TV), desenhistas e finalizadores de arte. A história em quadrinho é verdadeiramente uma pulp fiction.

M7 (p.64)

Existem alguns recursos gráficos que favorecem a narrativa tipo síntese que é própria das histórias em quadrinhos, como a que aparece na página 58 (confira quadro abaixo): em forma de seta, o texto do narrador (no caso, Xavier) informa não somente a passagem de um quadro ao outro, mas supre a distância narrativa entre os dois. No quadro da esquerda, os dois personagens estão fora da caverna. No quadro seguinte, a ação ocorre em seu interior. Assim, a seta cumpre a função de orientar a leitura, mas também de favorecer a coesão da história narrada. Uma seta que também objetiva situar o leitor no âmbito da narrativa está presente no primeiro quadro da história (veja M1, acima)

Recursos gráficos que auxiliam a coesão (p.58).

À seguir, apresento alguns limites da história. O primeiro é sobre a transformação de Cain em Fanático. Apesar da fala de Xavier "Cain Marko não existe mais" este não perde sua memória. Muitos anos depois, iria atrás de Xavier. O motivo? A história não revela. Por que Cain/Fanático, depois de tanto tempo, iria ao encontro de seu irmão para matá-lo? Simplesmente, por quê é mal? No final da história, eis que o único motivo para o enfrentamento dos quase irmãos é a inveja que Cain nutre por seu irmão. Mais uma vez a história bíblica é sugerida.

A história apresenta a maldade como inata à pessoa, assim como a bondade. Os personagens aparecem esquematizados demais, simples ao contrário da complexidade de sentimentos e vontades que nos tornam humanos. O Bem e o Mal são valores absolutos e opostos. Há por isso um forte maniqueísmo que retira a ambiguidade e a contradição. Valores sem os quais, todas as históricas tornam-se simplórias e previsíveis. Haja o que houver, esses dois lugares estão fixamente demarcados. O que varia é apenas o recheio da história. A estrutura da narrativa, fortemente maniqueísta, retira dela o encanto e o desconforto, a complexidade e a verdade. Tá tudo bem, você pode argumentar que verdade não é um valor bom para analisarmos uma história em quadrinhos, sobre um grupo de mutantes superpoderosos. Mas, não entendemos verdade a qui como valor absoluto e sim verdade como uma força que dá vida à história mais absurda; valor que transforma a história mais estapafúrdia em um história cativante, convincente em suas estruturas internas; um valor que transforma personagens em pessoas quase reais; pessoas que gostaríamos de conhecer e até pessoas que sentimos saudades. A verdade de uma história (mérito de seu criador) transforma personagens em pessoas, pouco importando se existem ou não.

Algumas curiosidades: na história, é apresentado o 'Cérebro', um aparelho do professor X para detectar mutantes. O Demolidor (Murdock) também é citado na história. Há também uma passagem em que aparece o Tocha Humana, o membro do Quarteto Fantástico. Tais recursos servem para criar a noção de universo específico dos super heróis da Marvel: 'o' mundo em que habitam e coabitam. Essas breves referências aos outros super heróis são também ganchos pra outras narrativas, prenunciando ou referenciando outras aventuras; outros desdobramentos para as histórias que estamos acompanhando. E, claro, criando expectativas para o consumo de mais e mais histórias. Uma espécie de continuum que muito alimenta as novelas, os folhetins, as séries de TV. Os episódios podem se desdobrar de formas inéditas e elas querem nos ter como seus consumidores. 

A personagem feminina, a Garota Marvel, tem um grande poder mas não tem força para utilizá-lo. Parece uma contradição, não é? O professor X pede a ela que não se exceda e ela reconhece seus limites: "o esforço é grande demais". Entre todos os homens, a única ressalva para o momento da batalha destina-se a mulher, como se ali não fosse seu "lugar". Aqui se expressa o sexismo da/na história. Essa forma de representar a mulher como um corpo frágil está presente também na cada do gibi (a primeira imagem desse texto). Lá vemos que o corpo de Grey é muito inferior (em tamanho e volume) em comparação com o do Ciclope. Ele, numa posição altiva e corajosa; ela numa posição insegura e titubeante. No final da história, Jean Grey serve como enfermeira aos heróis machos. Esses fazem piadinhas ressaltando a sua beleza ("com uma enfermeira como Jean") ou insinuando sensualidades ("Minha mãe me beijava para eu sarar"). Assim, nos meandros da história, estão sendo construídos e cristalizados os lugares femininos e masculinos.

Além de apontar a inveja como a fonte do mal, a história valoriza o trabalho em conjunto e o espírito de equipe. No mais, ela é uniformemente desprovida de maiores interesses. Visualmente, com exceção da capa, não há grandes quadros. Entendemos porque a primeira fase dos X-Men não empolgou tanto o público estadunidense.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Viva o movimento estudantil

Se algumas pessoas acham que os estudantes estão sendo manobrados por alguns professores, para defender interesses particulares e individuais, tenho a dizer: os estudantes não são massa de manobra! Os estudantes tem inteligência pra tomar suas próprias decisões. Se os estudantes decidiram lutar, é porque eles acreditam no seu protagonismo, no seu poder. Engraçado, né? Depois que os estudantes assumiram seus lugares nos espaços de poder dentro da universidade (CA, DA etc), com direito a voz e voto, surgem falas de que eles estão sendo manipulados. Acho que argumentos assim ofendem a capacidade dos estudantes de discernir, de escolher, de decidir qual luta eles vão lutar. Quem tem medo de estudante, boa pessoa não é, bons interesses não têm. Quanto à mim, digo, mais poder aos estudantes! Mais voz aos estudantes! Há um tempo atrás, os estudantes não podiam, sequer, carregar o controle remoto dos condicionadores (o motivo nunca entendi), não podiam sequer levar um retroprojetor até a sala de aula (ouvi argumentos de que os estudantes poderiam sumi-los). Hoje, eu vejo os estudantes buscando e devolvendo os projetores; vejo os estudantes sendo respeitados pelos servidores, vejo os estudantes se organizando, ocupando as vagas que são de seu direito nos colegiados, conselho e congregação. Isso não é ser "controlado". Isso é exercer o direito que lhes cabem. Isso é cidadania! Isso é autonomia. Não aceitem que digam outra coisa! Dizer que vcs estão sendo controlados, é ofender a capacidade de cada um tem de pensar, decidir e agir. Viva o movimento estudantil!!! Vida longa aos protagonistas dos seus destinos!!!

SOBRE CHUPAR, SOBRE O CAPETA E SOBRE A ESCOLA

Quem ou o quê te autoriza a hierarquizar o grau de importância das coisas que faltam na Universidade, que faltam na Escola?

Você tem o direito de definir se a repressão que o outro sente é maior ou menor (em importância) do que o maior ou menor dos seus problemas?
Aprenda: trata-se de outro corpo, de outra vida, de outra experiência. Então, respeite. Achar que a sua vida é medida para qualificar o problema de alguém é um erro. Uma atitude autoritária. Uma falta de respeito.

Gritar num microfone que "chupa rola ou boceta" foi um ato de enfrentamento, em reação à uma atitude preconceituosa praticada por uma professora, uma formadora de outros professores. Te digo, não precisamos de professores para nos ensinar ser preconceituosos. É melhor não aprender, é melhor não ter professor, é melhor que não houvesse escola. Seria melhor desaprender, sempre.

Ao gritar tais palavras de ordem estamos sim, reivindicando (e não buscando) respeito, pois respeito não é uma mercadoria que encontramos nas prateleiras dos supermercados da vida. Respeito construímos, com luta, com enfrentamento, na rua, em coletivo, reivindicando.

Ontem fomos meia dúzia porque muitos outros professores, gays ou não, e estudantes, gays ou não, não sentiram a nossa dor ou estavam ocupados com outros problemas. Ontem, dentre essa meia dúzia, não havia somente gays e lésbicas. Havia heterossexuais que querem construir um mundo menos hipócrita, mais justo. Um mundo no qual as diferenças sejam alvo e objeto de direito. O direito é a medida social do respeito.

Na verdade, o grito era "eu chupo pau / chupo boceta / se for por inferno / chupo até o capeta". A "rola" acho que foi ruído da mensagem que o Boechat mandou pra outro preconceituoso.

Bom, como professor, digo que esse grito de ordem foi o mais adequado dentre todos os outros proferidos. Por que? Porque a atitude a que o ato recriminou foi justamente um argumento religioso, segundo o qual a vida de um homem cristão branco (talvez heterossexual) portador de uma doença rara, valeria mais que a vida de milhões de LGBTT's que recebem dinheiro do Ministério da Saúde (sim, da Saúde) para realizar sua parada Gay. Por que da saúde? Porque a AIDS é um problema mundial e o Brasil, graças a suas políticas públicas setoriais (população LGBTT, por exemplo) desde o governo neoliberal da era FHC, economiza milhões em prevenção. Apoiar as paradas gays não é uma questão de simpatia, mas de economia.
Questionar tal política de governo baseada num caso particular de doença rara é no mínimo falta de condições para precisar os elementos de uma comparação (e olha que aprender a comparar é tratado numa disciplina chamada "metodologia científica". Acho que muitas pessoas estão faltando a essas aulas...).

Bom, mudando de pau pra cacete, voltemos à "falta de respeito".

Quer dizer que proferir palavras "pau" e "boceta" em público é falta de respeito? Canso de ouvir essas palavras nos espaços públicos, na presença de pais, avós, crianças... De forma indireta ou explícitas, nas músicas de sertanejo universitário, de arrocha, de funk, de forró, de brega... nos carros que passam por nós com o volume nas alturas. E nunca vi a GPT parando esses carros para multá-los por poluição sonora. Muito menos por atentado ao pudor. Sem hipocrisias, por favor!

Chupar essa ou aquela parte do corpo de uma mulher ou de um homem não é pecado! Que eu saiba, usar camisinha sim, transar fora do casamento, trair o cônjuge e outras 'cositas mas' é pecado (para os cristão, veja bem!).
Ah, entendi: o "pecado" ou a "falta de respeito" não é falar essas palavras em público, no microfone, na maior altura, na porta de uma universidade pública, mas A Falta de Respeito é "quem" fala. A Falta de Respeito não é a palavra em si, mas "quem pratica" o seu significado e, em alguns casos, quem a profere. A Falta de Respeito, então, é homem chupar homem, mulher chupar mulher. Se a palavra foi proferida por um hétero é autorizada? Se foi por um veado ou por uma sapatão é "falta de respeito"?
[Atenção: o trecho a seguir contém ironia] Isso é normal e natural, pois, afinal, essas pessoas nunca tiveram voz, nunca tiveram um estado republicano, de direito que defendesse, nunca tiveram condições objetivas de se auto-representarem, não é? Menos ignorância, por favor.

Um homem dizer que é gay é uma falta de respeito? Um homem beijar outro homem no espaço público é uma falta de respeito? Certas mulheres dizer certas palavras em público é mais condenável que outras? Um é mais igual que outro? Onde, realmente, está a falta de respeito?
Eu não posso andar de mãos dadas com meu companheiro na rua porque estou desrespeitando seu filho, que é criança? Porque seremos um 'mal' modelo pra ele? "Peraí", deixe-me entender: eu, que uma vez ou outra serei visto por seu filho representarei um modelo mais forte do que você que o criou? Que mora e cuida dele todos os dias?  Mais racionalidade, por favor!

Um professor usar de seu lugar de poder para acessar o corpo de uma estudante é até lindo e se 'tiver amor' e acabar em casamento, mais ainda. Na maioria das vezes, é apenas uma fichinha no banco imobiliário dos 'machos'. Um professor cometer o crime da bigamia é permitido afinal, "ele é homem" (se fosse uma mulher seria uma "vadia"). Uma professora fazer valer seus valores religiosos, numa escola pública de estado laico e de direito, dentro de uma sala de aula ou publicamente pra reprimir a orientação sexual ou religiosa de alguém (às vezes, até de seus próprios estudantes), não é falta de respeito, é opinião e deve ser 'respeitada' [mais uma vez, esse trecho conteve ironia].
Um estudante que abusa de seus 'poderes de macho' para tocar ou expor o corpo de outras estudantes, menores de idade, inclusive nas redes sociais, não é assédio sexual? É excesso de hormônio ou imaturidade decorrente de sua juventude... por favor, menos hipocrisia!

Nós estamos numa universidade, lugar por excelência do pensamento crítico (mas que também deveria ser o lugar da proposição e da prática política). Nós estamos formando professores e professoras, para atuar de forma transformadora, em todos os outros espaços sociais: escola, igreja, família, associações... Nós precisamos combater a hipocrisia e defender a felicidade social e individual, total e irrestrita. Nós devemos aprender a respeitar a si e ao outro, em verdade. Nós precisamos construir relações mais libertárias com nossos corpos. Nós devemos combater as estruturas que provocam a injustiça, a exclusão, a dor e a tristeza. A diferença não está no outro, mas dentro de mim. A diferença me constitui, mesmo que seja por negação.

Não vou pedir amor. Não vou pedir "mais amor, por favor". Eu exijo mais amor. Eu tenho direito a mais amor. Eu tenho o dever de amar mais.

Cidade de Goiás,
24 (kkk) de junho de 2015

Euzebio Fernandes de Carvalho
(professor, historiador e, dentre muitas outras coisas, gay)