terça-feira, 10 de abril de 2012

Fichamento do texto "Imagens audiovisuais: sociabilidades e sensibilidades" (2008), de autoria de Mirian ROSSINI e José BALDISSERA

[Publico a seguir o fichamento feito por mim para a disciplina História e Cinema: relações e (ab)usos na produção/aprendizagem/ensino do conhecimento histórico que ministro para o Segundo Ano da Graduação em História da Universidade Estadual de Goiás/Unidade Universitária de Porangatu (Turma 2011). O texto foi retirado do livro resultado do Simpósio Nacional de História Cultural, realizado em Goiânia, cuja organização foi encabeçada pela saudosa historiadora Sandra Jatahy Pesavento. Àquela época, participamos da comissão de organização do evento e também do livro.]



I. IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

ROSSINI, Mirian; BALDISSERA, José. Imagens audiovisuais: sociabilidades e sensibilidades contemporâneas In PESAVENTO, Sandra; CARVALHO, Euzebio. et ali (org). Sensibilidades e sociabilidades: perspectivas de pesquisa. Goiânia: Ed. PUC-GO, 2008. Pp.63-69.



II. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES

Miriam de Souza Rossini é Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC/RS (1988), e Licenciada e Bacharel em História pela UFRS (1995). Possui Mestrado em Artes - Cinema pela USP (1994), e Doutorado em História pela UFRS (1999). Fez Doutorado Sanduíche na França, junto à École des Hautes Études en Sciences Sociales (1999). É Professora Adjunta da UFRS, junto ao Departamento de Comunicação, e atual Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da UFRGS (gestão 2011-2012). Suas pesquisas envolvem cinema brasileiro, cinema e história, comunicação e imagem, estudos culturais, história cultural, mercado audiovisual brasileiro.

José Alberto Baldissera é graduado em Filosofia pela UNISINOS (1964), graduação em Letras pela UNISINOS (1968), Especialização em Lógica e Metodologia Científica (1977) e História Contemporânea (1977), Mestrado em Educação pela PUC/RS (1991) e Doutorado em Educação pela PUC/RS (1996). Atualmente é professor titular da UNISINOS. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino. Também presta assessoria à TV Unisinos, na área de gravações de aulas para EAD (Educação a Distância) e apresenta o programa semanal de entrevistas, Desatando Nós, na mesma televisão.
III. ESTRUTURA DO TEXTO

[1. Definições e características dos materiais imagéticos]
[2. Era da lógica formal das imagens]
[3. As imagens técnicas e a sociedade do espetáculo]
[4. A transdisciplinaridade na análise dos materiais imagéticos]

IV. APRESENTAÇÃO DO TEXTO
Imagens audiovisuais: sociabilidades e sensibilidades contemporâneas
[1. Definições e características dos materiais imagéticos]
  • Diferentes tipos de imagens (i)materiais acompanham as pessoas em seu processo de produção da cultura: desenhos são formas de expressão; escrita é uma forma de imagem do pensamento; a leitura cria imagens mentais; sonhos são imagens. Como exteriorizar as imagens interiores?
  •  P/ Flusser (1984), “Imagens são superfícies que pretendem representar algo e que resultam da supressão de duas das quatros dimensões espaço-temporais, afim de que se conservem apenas duas (altura e largura) [1]. Imagens são representações planas, sem profundidade, sem relevo, e que estão imobilizadas no tempo (63);

      [2. Era da lógica formal das imagens]






      O enterro (1602-03), por  Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610). Pinacoteca do Vaticano.
















      O Grito (Skrik, 1893), por Edvard Munch (1864-1944)
























      O homem vitruviano (aprox. 1490), por Leonardo Da Vinci (1452-1519). O desenho actualmente faz parte da colecção/coleção da Gallerie dell'Accademia (Galeria da Academia) em Veneza, Itália.








       desenvolveram técnicas artísticas e matemáticas que ajudaram a criar imagens perspectivadas,














        que produziam a ilusão de possuírem profundidade de campo, ou seja, simulavam uma terceira dimensão em algo que originalmente possuía apenas duas dimensões




















        • O desenvolvimento dessa técnica marcou o olhar ocidental;

        • Ao mesmo tempo que a perspectiva monocular (aquela que parte de um ponto de vista fixo),




        Dançarinas atando as sapatilhas (aprox. 1893-1898) Edgar Germain Hilaire Degas (1834-1917). Museu de Arte de Clevland, Ohio







        • outras técnicas de pintura, como a pintura a óleo, propiciaram um desenvolvimento realístico do conteúdo picturial, pois facilitavam a representação de detalhes, de superfícies mais lisas e brilhantes, que pareciam vivas. Os artistas retratavam realisticamente o que viam e produziam representações que mantivessem com o representado uma relação de correspondência verossímil. A pintura era pensada como aquilo que estivesse no lugar de alguma coisa. Era um documento de/da verdade;








        O casal Arnolfini (1434), por Jan Van Eyck (1390-1441)











        • Até o sec. XVIII, as imagens produzidas eram feitas diretamente pelas mãos do artista (usavam utensílios como tintas e pincéis, e pedra, metal ou madeira para gravação direta). usavam a câmara escura como um importante recurso técnico.

           









        • Na era da lógica formal da imagem, o que se pretende é potencializar a visão do real; é a era da pintura, da gravura, em que o real era atingido por meio da aplicação de técnicas picturiais de representação, desenvolvidas desde o renascimento (64);








        A carta de amor (1669-70), Vermeer (1632-1675)













          [3. As imagens técnicas e a sociedade do espetáculo]
          • A câmera fotográfica e cinematográfica (invenções do sec. XIX) inauguraram a produção mecânica das imagens. entramos na era da lógica dialética. Nesta, há maior verossimilhança entre a representação e o representado  obtida por meio do uso dos novos dispositivos de captação/reprodução de imagem. A imagem cinematográfica e depois a televisiva criaram a ilusão do movimento que nos reporia outras dimensões perdidas pelas imagens estáticas (o tempo, o próprio devir). Esse tipo de imagem é chamada técnica (Flusser, 1984) ou mecânica (Joly, 1996) (65);

          • O surgimento de imagens produzidas aparentemente sem a interferência humana (como se acreditava, à época) modificará a antiga tarefa documental da pintura (uma fotografia era potencialmente mais verossímil do que uma pintura) e alterará a própria noção de verossimilhança. Na pintura era possível fazer apenas o esboço a partir do modelo e terminar a pintura sem ele. Na imagem registrada em negativo, a relação com o objeto era indicial (a pessoa teve efetivamente que ficar em frente às câmeras para que sua imagem fosse registrada) (65). Por isto, a força do acontecido é maior na foto, no cinema do que na pintura mais realista. Por sua vez, a imagem televisiva ao vivo possui caráter mais realístico do que a imagem cinematográfica (que precisa ser previamente montada, para ser exibida num espaço e situações específicas);

          • As imagens técnicas estabeleceram novos regimes de olhar e de vinculação com o universo imagético. As imagens técnicas são criadas de modo mais ou menos realístico, expressionista, abstrato. Mas o potencial indicial e icônico são os mais estimulados e demandados pelo público. São as imagens potencialmente mais realísticas que atraem os olhares de historiadores (as imagens documentais mais que as ficcionais). Os historiadores buscam nessas imagens documentais o resquício dos eventos que foram testemunhas;

          • Captar e difundir documentos imagéticos (por meio de equipamentos de captação) é uma espécie de hobby do século XXI; por isto, as imagens inflacionam o cotidiano. Somos uma sociedade das imagens; as imagens mecânicas substituíram as imagens tradicionais ou formais (64);

          • Desde o surgimento das imagens técnicas o nosso modo de compreender o mundo mudou, pois mudou nossa sensibilidade para percebê-lo. A partir de imagens produzidas ou capturadas in loco, podemos experimentar de modo mais ou menos realístico algo que se passa em outro espaço-tempo (66);

          • Essa transformação muda radicalmente o modo de percebermos o mundo a nossa volta, assim como muda o modo de nos expressar e de nos relacionar com as demais pessoas, pois levamos em conta as mediações sociais feitas por esse universo comunicacional. Essas transformações sociais trazem novas demandas, como o aprimoramento de habilidades analítico-interpretativas específicas;

          • O longe e o perto, o cotidiano e o exótico convivem nos diferentes meios de comunicação audiovisual. Conseguimos pensar em grandes acontecimentos da história contemporânea sem vinculá-los das imagens produzidas sobre eles? Acostumamos-nos a um tipo de horror demasiado realista que não seria suportável antes do século XIX (67);

          • Os documentos imagéticos interferem na mudança de sensibilidade que os próprios documentos fomentam. A a onipresença de imagens técnicas do mundo nos dá uma percepção diferente desse mesmo mundo e nos obriga a alargar a nossa compreensão sobre o que nos envolve;



          [4. a transdisciplinaridade na análise dos materiais imagéticos]
          • Por meio de imagens técnicas, não somente o presente nos invade, mas o passado passa a conviver conosco. Elas o simulam com tal perfeição que sentimos "diante do passado em si" (característica que Roland Barthes chama de efeito de real). Os filmes narrativos baseados em eventos históricos apresentam tempos e lugares diferentes, outras sensibilidades e sociabilidades. Propiciam uma espécie de "contato com o passado", simulado pelos filmes. Eles permitem perceber/vivenciar a distância entre ontem e hoje (67);

          • Os materiais imagéticos constituem-se em documentos de memórias coletivas e servirão de material para o historiador entender o tempo presente e como o tempo presente se refere ao tempo passado;

          • A quantidade de informação à disposição transforma a ação do professor em sala de aula: levar conhecimentos sobre o passado histórico ou sua possibilitar sua interpretação?  Muitos produtos audiovisuais já realizaram essa tarefa. O professor precisa ser o interpretante desse universo povoado de mensagens verbais e visuais que se referem ao campo histórico (67);

          • Filmes sobre eventos passados são discursos sobre a história que passam a atuar junto com aqueles trazidos para a sala de aula pelo professor. Ele precisa conhecê-los e integrá-los aos seus projetos de ensino. Para isto, precisa desenvolver novas habilidades analítico-interpretativas, assim como novas sensibilidades para perceber nesses materiais audiovisuais o seu caráter documental. Assim,  será estimulado o espírito crítico e a pedagogia do olhar (68);

          • Necessidade de desenvolver metodologias transdisciplinares de análise de imagens analógicas ou digitais. É preciso conhecer os códigos internos de construção dessas imagens técnicas, bem como os seus sistemas de produção. É necessário o contato transdisciplinar com as áreas da comunicação. Não podemos nos vincular às imagens apenas no nível do narrativo e do verbal. Os discursos audiovisuais são mais complexos do que deixam entrever as histórias encenadas neles (68);

          • Cabe à História Cultural procurar nos dados de cultura as marcas dos imaginários dos grupos, as permanências e as mudanças nos seus sistemas de representação (68).


          [1] Qualquer representação gráfica de um objeto apresenta-se com duas dimensões (altura e largura). A profundidade é a terceira dimensão. Ao transmitirmos uma imagem diferente para cada olho, alterando o ângulo de cada um deles, o cérebro cria a ilusão de profundidade (imagem 3D). A física clássica descreve o espaço usando três dimensões: grosseiramente falando, qualquer movimento pode ser decomposto em três componentes: cima/baixo, direita/esquerda e frente/trás. O ponto possui zero dimensão. Uma linha é unidimensional. Um plano é um objeto bidimensional (tem comprimento e largura, mas não espessura). O espaço é tridimensional (usamos coordenadas x, y, z para definir pontos no espaço em três dimensões). A quarta dimensão é o tempo.


          Fichamento do texto Cinema-História e Razão Poética, por Jorge NÓVOA e Marcos SILVA



          I. IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
          NÓVOA, Jorge; SILVA, Marcos. Cinema-História e Razão Poética: o que fazem os profissionais de História com os filmes? IN PESAVENTO, Sandra; CARVALHO, Euzebio. et ali (org). Sensibilidades e sociabilidades: perspectivas de pesquisa. Goiânia: Ed. PUC-GO, 2008. Pp.11-18.
          II. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES
          Jorge Nóvoa possui licenciatura em História (1977), Mestrado em Ciências Sociais (UFBA, 1979), Mestrado em Estudos Aprofundados de Sociedades Latino-americanas/Paris III (Sorbonne, 1980), Mestrado em Sociologia Geral/Paris VII (Denis Diderot, 1984), Doutorado em Sociologia/Paris VII (Denis Diderot, 1985), Pós-Doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. É Professor Associado II da UFBA, do Departamento de Sociologia e da Pós-Graduação em Ciências Sociais e História. Foi Professor Convidado da Sorbonne Departamento de Cinema e Audiovisual. Parecerista ad hoc d e diversas instituições.
          Marcos Antônio da Silva é Prof. Titular de Metodologia da História na FFLCH/USP desde 2007 e Livre Docente nas mesmas área e instituição, desde 2001. Graduou-se em História pela Universidade de São Paulo (1976) e em Artes Plásticas pela Faculdade Santa Marcelina (1999), com Mestrado (1981) e Doutorado (1987) em História Social na FFLCH/USP. Fez Pós-Doutorado na Université de Paris III, em 1989.
          III. ESTRUTURA DO TEXTO
          [1. A Razão-poética]
          [2. Teoria da razão-poética em Sergei Eisenstein]
          [3. Problemáticas relativas ao uso do Cinema no ensino e pesquisa]
          [4. Cinema como documento e documentos históricos]
          IV. APRESENTAÇÃO DO TEXTO
          Cinema-História e Razão Poética: o que fazem os profissionais de História com os filmes?
          [1. A Razão-poética]
          a Pensamento empírico (científico) x pensamento especulativo (artístico) à petas/artistas descobriram e explicaram fenômenos antes dos homens da ciência (p.11):
          Poesia e o pensamento são um sistema único. A fonte de ambos é a vida: escrevo sobre o que vivi e vivo. Viver também é pensar e, às vezes, atravessar essa fronteira na qual sentir e pensar se fundem: isso é poesia (Otávio Paz).
          a O real histórico é composto de múltiplas instâncias que se relacionam, se determinam/se condicionam mutuamente e que se negam (p.11) à o mesmo não valeria para o pensamento? (expressão ‘imaterial’ d um processo orgânico, biológico, cultural e, portanto, social e histórico);
          a Consciência é outra forma de existência do ser; é o ser superior à trata-se do ser que pensa com consciência do seu ato de pensar, podendo, pois, interferir nesse ato-processo (p.11);
          a Produção espiritual e material nascem juntas à não é possível separar o grau de sensitividade da racionalidade de um pensamento;
          a Poíesis (grego) ou poese (latim) quer dizer ao mesmo tempo ação e criação (criar com as próprias mãos e com a imaginação à nos artistas não existe uma busca pela estética pura (objetivando exclusivamente o belo) à poetas/cientistas tiveram a mesma motivação: explicar, por diferentes vias, a natureza, a vida, e o lugar da pessoa nesse espetáculo à nas sociedades tradicionais, na velhice, no sábio se fundem o saber, a arte e a religião[1];
          a Não deveria haver distinção entre as funções e o saber: o conhecimento foi produzido por sobrevivência. Assim como os rituais religiosos antes de matar a presa, o comer e o vencer o medo era uma exigência de pulsão de vida[2] à “nos tempos mágicos e religiosos, a ciência era ao mesmo tempo um elemento de emoção e um elemento de saber coletivo” (S. Eisenstein) à com o dualismo, a filosofia especulativa, a abstração pura, separou-se do elemento emocional puro
          a Entre a imaginação e a criação científica existe uma realidade multifacetada, somente apreensível pela nossa percepção que inclui a antecipação cerebral, a imaginação, que pode ser abstrata, surrealista ou antirrealista, mas que abrange também a fidedignidade e a verossimilhança, o erro ou a ‘mentira’ involuntária (p.13);
          [2. Teoria da razão-poética em Sergei Eisenstein]
          a Razão poética à seu engajamento à razão não ‘não racionalista’ foi conseqüência do engajamento assumido de sua arte à revolução que o tornou defensor da união totalizante entre a Política, a Ciência e a História à originou sua teoria da montagem (sistemas de montagem de filmes: atração, intelectual, paralelos, harmônicos etc). Estes procuram causar reações racionais e emocionais, ao mesmo tempo. Em oposição, o cinema americano enfatizava a figura dos amantes, inserindo-a no drama e no argumento à os filmes de Eisenstein enfatizam as multidões, o povo e sua história;
          a Para Eisenstein, os aspectos formais de sua obra, não eram um acréscimo que elaborava depois que o argumento estava pronto à não há arte revolucionária sem forma revolucionária. Apesar de não coincidentes, a relação forma e conteúdo era-lhe inevitável;
          a As teorias de Eisenstein fundem a dialética de Hegel, as concepções da história e das revoluções de Marx, o inconsciente e outras descobertas freudianas sobre a psicologia humana, a teoria dos reflexos condicionados de Pavlov, a literatura e o teatro pesaram em suas criações (p.13);
          a As reflexões de Eisenstein adquirem uma dimensão epistemológica, ligada a capacidade do cinema de
          h Apreender os fenômenos sociais e históricos e
          h De sua intervenção nesses processos.
          a Preocupações de Eisenstein: transformar as mentalidades da grande massa da população admitindo uma dimensão pedagógica à arte do cinema como agente de transformação (legitimidade e eficácia)
          a Teoria da razão-poética em Eisenstein: o pensamento (o cinema é uma expressão particular de pensamento) só pode existir como função do sentir (empírico) e do raciocinar (crítico) (p.14);
          a Os sistemas de montagem eisensteinianos à o movimento afetivo deve despertar uma série de idéias (da imagem ao sentimento, deste à tese);
          a “o cinema é a única arte concreta que é ao mesmo tempo dinâmica e que pode desencadear as operações do pensamento” à para além das artes estáticas (que possibilitariam apenas a réplica do pensamento), o cinema desenvolve o pensamento (tarefa de excitação intelectual do cinema) à é a forma de arte máxima do século XX (sofremos de um dualismo terrível entre o pensamento, a especulação filosófica pura e o sentimento/emoção) (p.14) à o cinema é capaz de fazer a síntese entre o elemento emocional e intelectual: o cinema pode dar ao elemento intelectual, as suas raízes vitais, concretas e emocionais;
          [3. Problemáticas relativas ao uso do Cinema no ensino e pesquisa]
          a As questões supracitadas são orientadoras para o trabalho de ensino e pesquisa com filmes à é necessário discutir:
          1.      Como o profissional concebe o filme?
          2.      Quais os critérios de escolha para obras significativas em relação aos seus temas e problemas?
          3.      Como melhor explorar as riquezas/especificidades contidas no cinema?
          a Uso a partir de critérios temáticos: quais obras abordam os assuntos que lhe interessam e como essas abordagens podem ser articuladas às aulas/pesquisas que eles desenvolvem? A importância desse critério reside em favorecer um diálogo da história com a memória cinematográfica. Desafio: há mesmo um diálogo com os filmes? Ou há uma ‘arrogância científica’ para com os filmes? à P. ex.: corrigir informações, cobrar posturas interpretativas a partir do estado do conhecimento acadêmico... à O uso temático pode ser otimizado por meio da razão poética
          a Entender o cinema a partir da razão poética: as experiências cinematográficas não se restringem à pura subjetividade, uma vez que realizam, com seus recursos próprios de linguagem, reflexões complexas sobre os temas e os objetos que desenvolvem (p.15);
          a Em vez do compromisso com uma suposta ‘fidelidade imediata à realidade histórica’ um filme oferece a oportunidade de indagarmos: que realidade é esta? Não somente em relação à
          h Esfera do argumento do filme (fatos narrados mediante as seqüências de imagens, dos diálogos, monólogos ou vozes em off), mas também em relação ao
          h Conjunto de procedimentos artísticos, que possibilitaram sua existência (fotografia, montagem, uso expressivo de cores, ou branco e preto, deslocamento de câmara, cenografia, figurino, interpretação dos atores, música, universo sonoro etc.) (15);
          a Quem trabalha com filmes não precisa ser crítico profissional de cinema, mas tem obrigação de entender os recursos narrativos e poéticos que um filme utiliza para identificar o discurso produzido sobre seus temas e personagens (16)
          [4. Cinema como documento e documentos históricos]
          a Dimensão da materialidade expressiva do documento cinematográfico: entender e aproveitar peculiaridades de gênero e campos documentais sem estabelecer hierarquias entre documentos (um filme é tão importante, documentalmente, quanto um discurso de greve, um balanço de empresa, tabela de preço, informações quantitativas etc.);
          a O uso histórico do cinema iniciou no momento em que o conceito de documento sofreu radicais metamorfoses (desde a História Oral quanto às discussões sobre Memória e Monumentos);
          a Transformações da noção de documento histórico: o documento não é uma ‘coisa’ a ser interpretada pelo historiador sozinho; os documentos são produzidos em mundos socialmente distintos; são objetos de disputas entre diferentes grupos sociais. O documento é uma modalidade de interpretação do mundo e de constituição de Memória com a qual o historiador dialoga, utilizando seus instrumentos próprios de trabalho (argumentação explicativa e demonstrativa, os corpos conceituais e as tradições historiográficas)
          a A memória social não pode ser reduzida à ideologia; o conhecimento histórico erudito é:
          h Uma experiência da memória social;
          h Possui compromissos próprios à sua condição;
          h Abrange o debate teórico e as discussões acumuladas;
          h Constitui uma memória de si e dialoga com outras memórias em busca de explicações cada vez mais complexas da experiência social (p.17)
          a O trabalho profissional com filmes deve ser uma experiência de reflexão sobre a película, mas também uma auto-reflexão sobre o próprio trabalho;
          a Cinema histórico como gênero: filmes dedicados a temas e personagens entendidos classicamente como históricos;
          a Assim como a história e a sociologia, os filmes participam do esforço de compreensão sobre qualquer experiência humana, complementando-a e fundindo-se a ela[3] à todos os filmes estão dotados de historicidade e das características de todo pensamento: uma maior ou menor imaginação que pode oscilar do viés empírico ao seu extremo mais especulativo[4] (mesmo assim, será sempre uma estética e uma reflexão do processo histórico) à todo filme, portanto, é inspirador para o debate profissional da história (desde os épicos de Eisenstein, aos faroestes, as comédias românticas, as porno-chanchadas, descomprometidas, ingênua ou maliciosa) (p.17);
          a O Cinema-História de Eisenstein e sua razão poética favorecem novos desafios e potencialidades para a compreensão de experiências sociais diversas
          a O Cinema não pode ser reduzido à condição de coisa (objeto do historiador), deixando de lado a postura ativa do profissional de História e do cineasta como intérpretes do mundo (17);
          a A experiência do Cinema significa(ou) a ampliação de compreensão e apresentação do tempo social à assistir filmes é uma prática social e cultural tão marcante desde fins do séc. XIX, como fazer filmes é uma interferência no mundo, junto com a interpretação que dele se faz (17-18).


          [1]  Conf. filme Primavera, verão, outono, inverno e... Primavera. Dir. Kim Ki-duk, 2003. Coréia do Sul.
          [2] Conf. FREUD, S. além do princípio do prazer. (Existe um funcionamento psíquico que leva a repetição de experiências traumáticas, situado além do princípio do prazer. Os sonhos são uma manifestação do desejo inconsciente por meio da repetição. É uma tentativa de assimilação psíquica de experiências não prazerosas. Os instintos são motivados por um constante retorno do estado orgânico ao estado inorgânico. O movimento pulsional inconsciente caracteriza o ser humano. A consciência emergiria do processo de "defesa" da pulsão inconsciente, perfazendo seu papel de mediadora entre as exigências do inconsciente e aquelas apresentadas pelo princípio da realidade. A pulsão inconsciente, por não poder aparecer como tal (pois traz no seu bojo uma ameaça de desprazer no embate com as exigências da realidade) é deslocada, distorcida e transferida através dos processos defensivos que se manifestam nos sintomas. Na transferência a energia livre da pulsão, que caracteriza o processo primário, tende a se vincular em busca de uma representação. A natureza compulsória da repetição remete a um instinto, a uma pulsão de caráter primário (padrão universal dos instintos). Da mesma forma como a pulsão de vida estimula o psiquismo, a pulsão de morte caracteriza o movimento oposto, que tende à não realização motora, à não significação da pulsão). [nota baseada em Roberto Girola. Disponível em http://rgirola.sites.uol.com.br/Alemdoprincipiodoprazer.htm Acessado em 12.03.2012]
          [3] Em Santiago (2007, Brasil), o diretor João Moreira Salles produz uma reflexão sobre seu passado, por meio das narrativas e memórias do antigo mordomo de sua família milionária. Sua memória se sobrepõe às de Santiago, pretenso tema do documentário. Na obra, é possível problematizar as relações e tensões entre classes sociais distintas a partir da experiência pessoal do diretor e da produção artística do documentário.
          [4] Em Papa luna (dir. Bakhtyar Khudojnazarov, Rússia, 1999), temas graves como a militarização da sociedade, os preconceitos relativos à moral e à tradição, principalmente contra as mulheres são tematizados a partir de uma abordagem poética e bem humorada. “Luna Papa move-se num universo na fronteira entre o onírico e o real, apresentando-nos uma cultura baseada na tradição e em superstições religiosas e místicas, em luta com a penetração da tecnologia do mundo moderno. A personagem central, a jovem Mamlakat, é pura e inocente, mas também tem o engenho, a perspicácia e a inteligência para sobreviver numa região social e economicamente conturbada”.