quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea?

[Segue o fichamento do texto de HOBSBAWN que produzi para subsidiar minha aula na turma de História Contemporânea, na PUC-GO, no primeiro semestre de 2010. Utilizei o mesmo texto no curso oferecido para a formação especial de professores na UNEB/Campus IX (Barreiras-BA), pela PARFOR/CAPES, no final do ano passado]




 

O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea?


Referência do texto fichado aqui: HOBSBAWN, Eric. O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea? (36-48). In _____. Sobre história. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.



1. Da utilidade do conhecimento histórico

Para que serve a história? Quais as utilidades deste conhecimento? De que forma este conhecimento pode ser operacionalizado na vida, na dimensão da experiência individual? O conhecimento histórico contribui para a aquisição de algum resultado, seja no âmbito pessoal ou social/coletivo?
“pessoas que só admitem despender um bom dinheiro em coisas que tenham uma compensação prática e óbvia”
As relações entre passado, presente e futuro são indispensáveis e de interesse vital para nossa sociedade → é inevitável que nos situemos no continuum de nossa existência, da família e do grupo a que pertencemos. Aprendemos com isto: 
“é o que a experiência significa” (p. 36) → “os historiadores são o banco de memória da experiência”
todo o passado constitui a história e a maior parte deste passado é da competência dos historiadores que compilam e constituem a memória coletiva do passado [esta atividade ou função manifesta é a base que sustenta a confiança que a sociedade “deve ter” no conhecimento produzido pelos historiadores, segundo o autor] (37)
“necessitamos e utilizamos a história mesmo quando não sabemos por que” 
[por exemplo, na maioria das celebrações dos marcos cronológicos, como os aniversários, as efemérides nacionais ou institucionais] (37);
 
2. Função tradicional da história

Até o final do século XVIII, supuseram que a história pudesse nos dizer como uma dada sociedade deveria funcionar. O passado era o modelo para o presente e o futuro
“a história representava a chave para o código genético pelo qual cada geração reproduzia seus sucessores e organizava suas relações" 
É o que a Didática da História (na reflexão alemã) denomina de função tradicional do passado: as sociedades tendem a buscar nas tradições (familiares, regionais/culturais, nacionais/ideológicas/identitárias) os referentes que servem de orientação para a ação/comportamento presente.

→ Indícios da função tradicional do passado: velho = sabedoria (longa experiência + memória de como eram, como eram feitas as coisas e, portanto, como deveriam ser feitas) → “senado” (Congresso sênior); o “conceito de precedente” em sistemas legais baseados no direito consuetudinário → história como autoridade para o presente [a história oficial/história nacional é utilizada pelas elites brasileiras para construírem um discurso em relação ao passado, cuja consequência prática é a base de sua perpetuação no poder, no presente e no futuro. Serve a esta ideia a representação histórica que o “povo brasileiro” não é belicoso. Logo é pacífico, subserviente, passivo e obediente. Quer funções mais apropriadas à reprodução de um status quo que estas?]

3. Função mitológica da história ou a narrativa de origem

É a lição da história de experiência acumulada e coagulada. Por exemplo:
“os bons tempos do passado, e é para lá que a sociedade deveria voltar”
Utopia como nostalgia (boa e velha moralidade da cidadezinha do interior; a crença literal na Bíblia que é um documento histórico antigo) → hoje, esta função não é mais disponível: 
“o retorno ao passado é algo tão distante que tem de ser reconstruído ou um retorno a algo que nunca existiu realmente, mas foi inventado para tal fim” → “qualquer nacionalismo moderno, não poderia ser concebido como um retorno a um passado perdido, porque o tipo de Estados-nações territoriais, dotados de tipo de organização que ele visava, simplesmente, não existiu até o século XIX” → “entender mal a história é parte essencial de se tornar nação” (Ernest Renan) (38) →→→ “A atividade profissional dos historiadores é desmantelar essas mitologias, a menos que se contentem – e receio que os historiadores nacionais muitas vezes se contentam – em ser os servos dos ideólogos” (38)
É o exemplo de contribuição (negativa) importante que a história pode nos dar a respeito das sociedades contemporâneas;

4. O "meu tempo" é hoje 

Esse é o título de um documentário sobre Paulinho da Viola. É fantástica a potência que possui esse título para criticarmos a noção de "história mitológica" que Hobsbawm acabou de nos apresentar. Na frase, a história/tempo não está no passado. O tempo é o presente. Engraçado que um  dos primeiros indícios que uma pessoa está ficando velha (já li isso em algum lugar) é dizer: "no meu tempo..." como se ela, o tempo dela, tivesse, em algum momento, sido apartado do que ela é no presente. Esse funcionamento é o primeiro indício que uma coisa ficou datada. Tipo o corte de cabelo dos 80's, a calça boca de sino dos 60's, o cabelo colorido dos 90's ou suas roupas de flanela. É preciso que a história volte-se para o presente. É a leitura que Walter Benjamin (1892-1940) fez do anjo pintado por Paul Klee. Contudo, a condição fundamental para que isso aconteça, é ir ao passado. Ir ao passado é um recurso e uma condição para se chegar ao presente e nele se situar; com ele dialogar, nele viver.




5. O presente não pode tomar o passado como modelo em nenhum sentido operacional

"Desde o início da industrialização, a novidade que toda geração traz é mto mais marcante que sua similaridade com o que havia antes" 
Diante disso, imaginem o quanto é difícil para uma pessoa jovem hoje imaginar um mundo sem internet; sem cd; sem TV; sem cor impressa; sem rádio; sem energia elétrica; sem rádio; sem cinema; sem rede de abastecimento de água encanada e residencial; sem imagem fotográfica... acabei de faze um breve percurso cronológico que nos leva diretamente a meados do século XIX. Mas essa volta poderia ser feita ate períodos históricos mais afastados. É o que nos propõe Maria Bethania numa releitura de uma música de Arnaldo Antunes.

6. Debaixo d’água – Agora (ao vivo), Maria Bethânia, 2007, álbum Dentro do mar tem rio.



7. Há uma parte mto grande de assuntos humanos nos quais o passado retém sua autoridade e, portanto, a história ou a experiência, no genuíno sentido antiquado, opera do mesmo modo como operava no tempo de nossos antepassados (38);

8. Uso antiquado ou experiencial da história (o que a história nos diz sobre o passado): A história elementar (saber como era alguma prática ou saber os valores que norteiam as práticas sociais) → 
“são necessárias duas pessoas para aprender as lições da história ou de qualquer outra coisa: uma para dar a informação e outra para ouvir” 
→ a mera experiência histórica sem muita teoria sempre pode nos dizer muita coisa sobre a sociedade contemporânea → as situações humanas são, de tempos em tempos, recorrentes → registro acumulado de muitas gerações (“já vi isto antes”) → [traços de uma abordagem materialista?] → 
“a ciência social moderna, a política e o planejamento adotaram um modelo de cientificismo e manipulação técnica que, sistemática e deliberadamente, negligencia o humano e, acima de tudo, a experiência histórica" (39)
 → ciclos de longa duração de Kondratiev (descobertos no século XX) = padrão secular da economia mundial na qual períodos de cerca de vinte a trinta anos de expansão econômica e prosperidade se alternam com períodos de dificuldades econômicas com a mesma duração → uma dentre as poucas periodicidades que permitem previsão (40) → 
o computador de nossas cabeças tem, ou pode ter, experiência histórica embutida
[consciência histórica geneticamente transmitida?] → tipo de conhecimento histórico que os intelectuais, de Tucídides a Maquiavel, teriam reconhecido ou praticado (41);

9. O que a história nos diz sobre o presente  
(o que a história pode nos dizer sobre o inédito?): não há precedentes → 
“a história, mesmo quando generaliza com muita eficácia, ela não vale muitas coisa se não generaliza, sempre está atenta à dessemelhança”
 → a historiografia tradicionalmente se desenvolveu a partir do registro de vidas e eventos específicos e irrepetíveis. 
“estou me referindo a transformações que fazem do passado um guia direto fundamentalmente inadequado para o presente”
 → as transformações rápidas, profundas, radicais e contínuas são características do mundo a partir do final do século XVIII e, especialmente, a partir da metade do XX (41) → uma das funções menores dos historiadores é mostrar que a inovação não é e não pode ser absolutamente universal (descobrir uma prática absolutamente nova) → a evolução humana: 
como deixamos de nos assustar com os perigos da natureza para nos assustar por aqueles que nós mesmos criamos? 
→ apesar de sermos mais altos e pesados do que nunca, biologicamente somos quase os mesmos que no início dos registros históricos → é quase certo que não somos mais inteligentes que os mesopotâmios, entretanto, o modo como as sociedades vivem e operam foi totalmente transformado (42) → 
“se fixamos nossa atenção naquilo que é permanente, não podemos explicar o que obviamente foi transformado, a menos que acreditemos que não possa haver nenhuma mudança histórica, mas apenas combinação e variação” (42)
 → o objetivo de se traçar a evolução histórica da humanidade não é antever o que acontecerá no futuro, ainda que 
o conhecimento e o entendimento histórico sejam essenciais a todo aquele que deseja basear suas ações e projetos em algo melhor que a clarividência, a astrologia ou o franco voluntarismo (42)
 → ler na história (descobrir padrões e mecanismos da transformação) é diferente de deduzir da história (previsões / esperanças) (43);

10. O progresso e a concepção materialista da história
 qualquer tentativa genuína para dar sentido à história humana deve tomar o progresso (sentido literal de um processo direcional) como ponto de partida → o progresso é a capacidade persistente e crescente da espécie humana de controlar as forças de natureza por meio do trabalho manual e mental, da tecnologia e da organização da produção [a abordagem e interpretação da categoria ‘progresso’ por parte do autor é pragmática e não considera valores e condicionantes morais e éticos?] → a concepção e análise da história construída por Karl Marx baseou-se na ideia de progresso, daí sua importância para os historiadores → 
“não é possível nenhuma discussão séria da história que não se reporte a Marx ou, mais precisamente, que não parta de onde ele partiu. E isso significa, basicamente, uma concepção materialista da história” (43)
 → durante a maior parte da história registrada, de 80 a 90% da população esteve envolvida na produção de alimentos básicos. Hoje, uma população de 3% dos estadunidenses produz comida suficiente para alimentar outros 97% (44);

11. Quais as consequências destas mudanças?
Elas podem definir uma dimensão urgente do problema = a necessidade de redistribuição social → 
durante maior parte da história, o crescimento econômico operava por meio da desigualdade (apropriação do excedente social gerado pela capacidade do homem de produzir por meio de uma minoria para fins de investimento em melhoria adicional) (44)
→ isto era compensado pelo crescimento da riqueza total que tornou cada geração mais aquinhoada que suas predecessoras. Os trabalhadores partilhavam desses benefícios mediante a participação no processo produtivo (posse de empregos – assalariados – ou por meio da venda de sua produção no mercado – camponeses e artesãos)

12. Qual o problema do tempo presente?
A maioria da população não é mais necessária para a produção. Do que ela se manterá? → o motor principal do crescimento econômico do Ocidente são os lucros empresariais → Uma economia empresarial depende cada vez mais das compras → A maioria da população tem de viver de transferência de recursos públicos (entre ½ e 2/3 dos gastos públicos – pensões, seguridade e bem-estar social) = mecanismo político e administrativo de redistribuição social [os programas sociais do governo federal: bolsa família, bolsa escola, benefício dos idosos, aposentadoria etc.] = crescimento do setor estatal = ônus tributário sobre os lucros empresariais = pressão pelo desmantelamento do sistema de redistribuição de rendas → mas este mecanismo de redistribuição não foi projetado para uma economia na qual a maioria poderia ser excedente às necessidades produtivas, mas sim para uma economia de pleno emprego e por ele sustentada.

13. O crescimento econômico mediante uma economia de mercado não foi um mecanismo eficaz para diminuir as desigualdades internas ou internacionais, embora tendesse a aumentar o setor industrializado do planeta → as desigualdades embutidas nesses desenvolvimentos históricos são desigualdades de poder: populações pobres e países pobres são fracos, desorganizados e tecnicamente incompetentes: relativamente mais fracos hoje do que no passado (46) → dentro de nossos países podemos cozinhá-los em guetos (“um nível aceitável de violência” [qual é a violência aceitável? Que violência você aceita?]) ou isolarmos em carros blindados, condomínios fechados → os pobres e descontentes, nacional e internacionalmente, devem ser contidos (46);

14. Muros e grades, Engenheiros do Havaí, 1993. Álbum Filmes de Guerra, canções de amor.



15. O que a história pode nos dizer: pode-se supor que os pobres não mais mobilizem em protesto, pressão, mudança e revolução social, em nível nacional ou internacional, como fizeram entre 1880 e 1950; mas não que permaneçam ineficazes enquanto forças políticas/militares, principalmente quando não puderem ser comprados pela prosperidade →
 o que a história não pode nos dizer é o que acontecerá, apenas quais problemas teremos que resolver (47);

CONCLUSÃO

16. O que a história pode nos dizer sobre as sociedades contemporâneas baseia-se em uma combinação entre experiência histórica e perspectiva histórica [horizonte de expectativas] → 
“é tarefa dos historiadores saber consideravelmente mais sobre o passado do que as outras pessoas, e não podem ser bons historiadores a menos que tenham aprendido, com ou sem teoria, a reconhecer semelhanças e diferenças” (47)
→ [é possível identificar semelhanças e diferenças sem um exercício teórico?];

17. 
“Infelizmente, uma coisa que a experiência histórica também ensinou aos historiadores é que ninguém jamais parece aprender com ela. No entanto, temos que continuar tentando” (47);

18. Razão pela qual as lições da história não são aprendidas ou são desprezadas:

a) História utilitarista: Devido uma abordagem a-histórica, manipuladora, de solução de problemas, que se vale de modelos e dispositivos mecânicos [factualista, narrativista, não-problematizadora, informacionista, professoral? História para passar/não-passar no vestibular, no Rio Branco, no concurso do Estado?];

b) História como inspiração e ideologia (mito de auto-justificação) / “história-Venda para os olhos”: distorção sistemática da história para fins irracionais → Por que todos os regimes fazem seus jovens estudarem história na escola? 
“não para compreenderem sua sociedade e como ela muda, mas para aprová-la, orgulhar-se dela, serem ou tornarem-se bons cidadãos” “e o mesmo é verdade para causas e movimentos”;


19. É tarefa dos historiadores remover as vendas ou tentar levantá-las um pouco → ao fazer isto, dizem algumas coisas das quais ela poderia se beneficiar, ainda que hesite em aprendê-las 
"uma pena que os historiadores somente sejam autorizados e encorajados a fazer isso nas universidades"
 [será?] → as universidades são/devem se tornar os locais onde mais facilmente se pode praticar uma história crítica (48).























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