terça-feira, 10 de abril de 2012

Fichamento do texto Cinema-História e Razão Poética, por Jorge NÓVOA e Marcos SILVA



I. IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
NÓVOA, Jorge; SILVA, Marcos. Cinema-História e Razão Poética: o que fazem os profissionais de História com os filmes? IN PESAVENTO, Sandra; CARVALHO, Euzebio. et ali (org). Sensibilidades e sociabilidades: perspectivas de pesquisa. Goiânia: Ed. PUC-GO, 2008. Pp.11-18.
II. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES
Jorge Nóvoa possui licenciatura em História (1977), Mestrado em Ciências Sociais (UFBA, 1979), Mestrado em Estudos Aprofundados de Sociedades Latino-americanas/Paris III (Sorbonne, 1980), Mestrado em Sociologia Geral/Paris VII (Denis Diderot, 1984), Doutorado em Sociologia/Paris VII (Denis Diderot, 1985), Pós-Doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. É Professor Associado II da UFBA, do Departamento de Sociologia e da Pós-Graduação em Ciências Sociais e História. Foi Professor Convidado da Sorbonne Departamento de Cinema e Audiovisual. Parecerista ad hoc d e diversas instituições.
Marcos Antônio da Silva é Prof. Titular de Metodologia da História na FFLCH/USP desde 2007 e Livre Docente nas mesmas área e instituição, desde 2001. Graduou-se em História pela Universidade de São Paulo (1976) e em Artes Plásticas pela Faculdade Santa Marcelina (1999), com Mestrado (1981) e Doutorado (1987) em História Social na FFLCH/USP. Fez Pós-Doutorado na Université de Paris III, em 1989.
III. ESTRUTURA DO TEXTO
[1. A Razão-poética]
[2. Teoria da razão-poética em Sergei Eisenstein]
[3. Problemáticas relativas ao uso do Cinema no ensino e pesquisa]
[4. Cinema como documento e documentos históricos]
IV. APRESENTAÇÃO DO TEXTO
Cinema-História e Razão Poética: o que fazem os profissionais de História com os filmes?
[1. A Razão-poética]
a Pensamento empírico (científico) x pensamento especulativo (artístico) à petas/artistas descobriram e explicaram fenômenos antes dos homens da ciência (p.11):
Poesia e o pensamento são um sistema único. A fonte de ambos é a vida: escrevo sobre o que vivi e vivo. Viver também é pensar e, às vezes, atravessar essa fronteira na qual sentir e pensar se fundem: isso é poesia (Otávio Paz).
a O real histórico é composto de múltiplas instâncias que se relacionam, se determinam/se condicionam mutuamente e que se negam (p.11) à o mesmo não valeria para o pensamento? (expressão ‘imaterial’ d um processo orgânico, biológico, cultural e, portanto, social e histórico);
a Consciência é outra forma de existência do ser; é o ser superior à trata-se do ser que pensa com consciência do seu ato de pensar, podendo, pois, interferir nesse ato-processo (p.11);
a Produção espiritual e material nascem juntas à não é possível separar o grau de sensitividade da racionalidade de um pensamento;
a Poíesis (grego) ou poese (latim) quer dizer ao mesmo tempo ação e criação (criar com as próprias mãos e com a imaginação à nos artistas não existe uma busca pela estética pura (objetivando exclusivamente o belo) à poetas/cientistas tiveram a mesma motivação: explicar, por diferentes vias, a natureza, a vida, e o lugar da pessoa nesse espetáculo à nas sociedades tradicionais, na velhice, no sábio se fundem o saber, a arte e a religião[1];
a Não deveria haver distinção entre as funções e o saber: o conhecimento foi produzido por sobrevivência. Assim como os rituais religiosos antes de matar a presa, o comer e o vencer o medo era uma exigência de pulsão de vida[2] à “nos tempos mágicos e religiosos, a ciência era ao mesmo tempo um elemento de emoção e um elemento de saber coletivo” (S. Eisenstein) à com o dualismo, a filosofia especulativa, a abstração pura, separou-se do elemento emocional puro
a Entre a imaginação e a criação científica existe uma realidade multifacetada, somente apreensível pela nossa percepção que inclui a antecipação cerebral, a imaginação, que pode ser abstrata, surrealista ou antirrealista, mas que abrange também a fidedignidade e a verossimilhança, o erro ou a ‘mentira’ involuntária (p.13);
[2. Teoria da razão-poética em Sergei Eisenstein]
a Razão poética à seu engajamento à razão não ‘não racionalista’ foi conseqüência do engajamento assumido de sua arte à revolução que o tornou defensor da união totalizante entre a Política, a Ciência e a História à originou sua teoria da montagem (sistemas de montagem de filmes: atração, intelectual, paralelos, harmônicos etc). Estes procuram causar reações racionais e emocionais, ao mesmo tempo. Em oposição, o cinema americano enfatizava a figura dos amantes, inserindo-a no drama e no argumento à os filmes de Eisenstein enfatizam as multidões, o povo e sua história;
a Para Eisenstein, os aspectos formais de sua obra, não eram um acréscimo que elaborava depois que o argumento estava pronto à não há arte revolucionária sem forma revolucionária. Apesar de não coincidentes, a relação forma e conteúdo era-lhe inevitável;
a As teorias de Eisenstein fundem a dialética de Hegel, as concepções da história e das revoluções de Marx, o inconsciente e outras descobertas freudianas sobre a psicologia humana, a teoria dos reflexos condicionados de Pavlov, a literatura e o teatro pesaram em suas criações (p.13);
a As reflexões de Eisenstein adquirem uma dimensão epistemológica, ligada a capacidade do cinema de
h Apreender os fenômenos sociais e históricos e
h De sua intervenção nesses processos.
a Preocupações de Eisenstein: transformar as mentalidades da grande massa da população admitindo uma dimensão pedagógica à arte do cinema como agente de transformação (legitimidade e eficácia)
a Teoria da razão-poética em Eisenstein: o pensamento (o cinema é uma expressão particular de pensamento) só pode existir como função do sentir (empírico) e do raciocinar (crítico) (p.14);
a Os sistemas de montagem eisensteinianos à o movimento afetivo deve despertar uma série de idéias (da imagem ao sentimento, deste à tese);
a “o cinema é a única arte concreta que é ao mesmo tempo dinâmica e que pode desencadear as operações do pensamento” à para além das artes estáticas (que possibilitariam apenas a réplica do pensamento), o cinema desenvolve o pensamento (tarefa de excitação intelectual do cinema) à é a forma de arte máxima do século XX (sofremos de um dualismo terrível entre o pensamento, a especulação filosófica pura e o sentimento/emoção) (p.14) à o cinema é capaz de fazer a síntese entre o elemento emocional e intelectual: o cinema pode dar ao elemento intelectual, as suas raízes vitais, concretas e emocionais;
[3. Problemáticas relativas ao uso do Cinema no ensino e pesquisa]
a As questões supracitadas são orientadoras para o trabalho de ensino e pesquisa com filmes à é necessário discutir:
1.      Como o profissional concebe o filme?
2.      Quais os critérios de escolha para obras significativas em relação aos seus temas e problemas?
3.      Como melhor explorar as riquezas/especificidades contidas no cinema?
a Uso a partir de critérios temáticos: quais obras abordam os assuntos que lhe interessam e como essas abordagens podem ser articuladas às aulas/pesquisas que eles desenvolvem? A importância desse critério reside em favorecer um diálogo da história com a memória cinematográfica. Desafio: há mesmo um diálogo com os filmes? Ou há uma ‘arrogância científica’ para com os filmes? à P. ex.: corrigir informações, cobrar posturas interpretativas a partir do estado do conhecimento acadêmico... à O uso temático pode ser otimizado por meio da razão poética
a Entender o cinema a partir da razão poética: as experiências cinematográficas não se restringem à pura subjetividade, uma vez que realizam, com seus recursos próprios de linguagem, reflexões complexas sobre os temas e os objetos que desenvolvem (p.15);
a Em vez do compromisso com uma suposta ‘fidelidade imediata à realidade histórica’ um filme oferece a oportunidade de indagarmos: que realidade é esta? Não somente em relação à
h Esfera do argumento do filme (fatos narrados mediante as seqüências de imagens, dos diálogos, monólogos ou vozes em off), mas também em relação ao
h Conjunto de procedimentos artísticos, que possibilitaram sua existência (fotografia, montagem, uso expressivo de cores, ou branco e preto, deslocamento de câmara, cenografia, figurino, interpretação dos atores, música, universo sonoro etc.) (15);
a Quem trabalha com filmes não precisa ser crítico profissional de cinema, mas tem obrigação de entender os recursos narrativos e poéticos que um filme utiliza para identificar o discurso produzido sobre seus temas e personagens (16)
[4. Cinema como documento e documentos históricos]
a Dimensão da materialidade expressiva do documento cinematográfico: entender e aproveitar peculiaridades de gênero e campos documentais sem estabelecer hierarquias entre documentos (um filme é tão importante, documentalmente, quanto um discurso de greve, um balanço de empresa, tabela de preço, informações quantitativas etc.);
a O uso histórico do cinema iniciou no momento em que o conceito de documento sofreu radicais metamorfoses (desde a História Oral quanto às discussões sobre Memória e Monumentos);
a Transformações da noção de documento histórico: o documento não é uma ‘coisa’ a ser interpretada pelo historiador sozinho; os documentos são produzidos em mundos socialmente distintos; são objetos de disputas entre diferentes grupos sociais. O documento é uma modalidade de interpretação do mundo e de constituição de Memória com a qual o historiador dialoga, utilizando seus instrumentos próprios de trabalho (argumentação explicativa e demonstrativa, os corpos conceituais e as tradições historiográficas)
a A memória social não pode ser reduzida à ideologia; o conhecimento histórico erudito é:
h Uma experiência da memória social;
h Possui compromissos próprios à sua condição;
h Abrange o debate teórico e as discussões acumuladas;
h Constitui uma memória de si e dialoga com outras memórias em busca de explicações cada vez mais complexas da experiência social (p.17)
a O trabalho profissional com filmes deve ser uma experiência de reflexão sobre a película, mas também uma auto-reflexão sobre o próprio trabalho;
a Cinema histórico como gênero: filmes dedicados a temas e personagens entendidos classicamente como históricos;
a Assim como a história e a sociologia, os filmes participam do esforço de compreensão sobre qualquer experiência humana, complementando-a e fundindo-se a ela[3] à todos os filmes estão dotados de historicidade e das características de todo pensamento: uma maior ou menor imaginação que pode oscilar do viés empírico ao seu extremo mais especulativo[4] (mesmo assim, será sempre uma estética e uma reflexão do processo histórico) à todo filme, portanto, é inspirador para o debate profissional da história (desde os épicos de Eisenstein, aos faroestes, as comédias românticas, as porno-chanchadas, descomprometidas, ingênua ou maliciosa) (p.17);
a O Cinema-História de Eisenstein e sua razão poética favorecem novos desafios e potencialidades para a compreensão de experiências sociais diversas
a O Cinema não pode ser reduzido à condição de coisa (objeto do historiador), deixando de lado a postura ativa do profissional de História e do cineasta como intérpretes do mundo (17);
a A experiência do Cinema significa(ou) a ampliação de compreensão e apresentação do tempo social à assistir filmes é uma prática social e cultural tão marcante desde fins do séc. XIX, como fazer filmes é uma interferência no mundo, junto com a interpretação que dele se faz (17-18).


[1]  Conf. filme Primavera, verão, outono, inverno e... Primavera. Dir. Kim Ki-duk, 2003. Coréia do Sul.
[2] Conf. FREUD, S. além do princípio do prazer. (Existe um funcionamento psíquico que leva a repetição de experiências traumáticas, situado além do princípio do prazer. Os sonhos são uma manifestação do desejo inconsciente por meio da repetição. É uma tentativa de assimilação psíquica de experiências não prazerosas. Os instintos são motivados por um constante retorno do estado orgânico ao estado inorgânico. O movimento pulsional inconsciente caracteriza o ser humano. A consciência emergiria do processo de "defesa" da pulsão inconsciente, perfazendo seu papel de mediadora entre as exigências do inconsciente e aquelas apresentadas pelo princípio da realidade. A pulsão inconsciente, por não poder aparecer como tal (pois traz no seu bojo uma ameaça de desprazer no embate com as exigências da realidade) é deslocada, distorcida e transferida através dos processos defensivos que se manifestam nos sintomas. Na transferência a energia livre da pulsão, que caracteriza o processo primário, tende a se vincular em busca de uma representação. A natureza compulsória da repetição remete a um instinto, a uma pulsão de caráter primário (padrão universal dos instintos). Da mesma forma como a pulsão de vida estimula o psiquismo, a pulsão de morte caracteriza o movimento oposto, que tende à não realização motora, à não significação da pulsão). [nota baseada em Roberto Girola. Disponível em http://rgirola.sites.uol.com.br/Alemdoprincipiodoprazer.htm Acessado em 12.03.2012]
[3] Em Santiago (2007, Brasil), o diretor João Moreira Salles produz uma reflexão sobre seu passado, por meio das narrativas e memórias do antigo mordomo de sua família milionária. Sua memória se sobrepõe às de Santiago, pretenso tema do documentário. Na obra, é possível problematizar as relações e tensões entre classes sociais distintas a partir da experiência pessoal do diretor e da produção artística do documentário.
[4] Em Papa luna (dir. Bakhtyar Khudojnazarov, Rússia, 1999), temas graves como a militarização da sociedade, os preconceitos relativos à moral e à tradição, principalmente contra as mulheres são tematizados a partir de uma abordagem poética e bem humorada. “Luna Papa move-se num universo na fronteira entre o onírico e o real, apresentando-nos uma cultura baseada na tradição e em superstições religiosas e místicas, em luta com a penetração da tecnologia do mundo moderno. A personagem central, a jovem Mamlakat, é pura e inocente, mas também tem o engenho, a perspicácia e a inteligência para sobreviver numa região social e economicamente conturbada”.

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