terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

"Inequality for All" (dir. Kornbluth, 2012)

Filme sobre Capitalismo é outra verdade inconveniente?, por Carole Cadwalladr


"Inequality for All" ("desigualdade para todos", em tradução livre) é, de certa forma, o filme do momento. Estamos vivendo tempos tumultuados. A economia afundou. A austeridade rasgou o país. Estamos à beira de uma reincidência da reincidência da recessão. E, em um universo paralelo, uma pequena corte de seres alienígenas --a quem conhecemos como banqueiros-- está atualmente absorta em tentar descobrir com que gastar seus bônus multimilionários. Quem não iria querer saber o que está acontecendo? Ou como isso aconteceu? Ou por quê? Ou se é realmente verdade que a próxima geração está definitivamente ferrada?

Mesmo assim, quem seria o mala que tentaria fazer um filme sobre isso? Não é exatamente um "Skyfall". Por onde você começaria? Há alguns filmes que praticamente imploram por ser feitos. E há "Inequality for All", o tipo de filme que não dá realmente para acreditar que alguém algum dia tenha considerado ser uma boa ideia, quanto menos algo a que dedicar a paixão e o compromisso de dois anos da sua vida.


Victoria Will - 21.jan.13/Associated Press
Secretário do Trabalho durante o governo Clinton, o economista Robert Reich é a estrela de "Inequality For All"
Secretário do Trabalho durante o governo Clinton, o economista Robert Reich é a estrela de "Inequality For All"

"Como é que alguém tem a ideia de fazer um filme sobre economia?", pergunto ao diretor Jacob Kornbluth. "Eu sei! As pessoas reviravam os olhos quando eu contava a elas. Diziam que é uma ideia péssima para um filme." De fato, no papel é uma ideia péssima. Um documentário de 90 minutos sobre a desigualdade de renda: ou por que os ricos ficaram mais ricos e o restante de nós não ficou (digo "nós" porque, embora seja focado nos EUA, estamos [na Grã-Bretanha] nos calcanhares deles), e que traça uma linha que remonta à década de 1970, quando as coisas pararam de melhorar para a vasta maioria dos trabalhadores comuns, e começaram a piorar.

"Sempre soava muito seco", diz Kornbluth. "Mas aí eu dizia às pessoas que é 'Uma Verdade Inconveniente' para a economia, e elas faziam: 'Ah!'."

Na verdade, "Inequality for All", que estreou no mês passado no Festival de Sundance, no Estado de Utah, não tem nada de seco. Ele conquistou não só elogios entusiasmados da crítica como também o prêmio especial do júri e um grande acordo de distribuição nos cinemas, e, embora tenha uma óbvia dívida com "Uma Verdade Inconveniente", de Al Gore, ele é sob muitos aspectos um filme melhor, mais humano e mais surpreendente. No mínimo porque, por incrível que pareça, ele é realmente bastante divertido. E isso se deve em grande parte ao seu astro, Robert Reich.

Reich não é um astro sob nenhum sentido óbvio da palavra. É um acadêmico de 66 anos. E há mais de três décadas se debate contra a desigualdade. A certa altura do filme ele parece bastante desanimado e diz: "Às vezes sinto que minha vida é um fracasso total". Imagens de arquivo dele na CNN em 1991, com o rosto jovial e uma basta cabeleira, mostram que ele está falando literalmente a mesma coisa década após década. E mesmo assim, como ele me diz alegremente pelo telefone da sua casa, na Califórnia, "só está piorando!".

Hoje em dia ele leciona políticas públicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e, embora não seja uma figura com a qual estejamos familiarizados no Reino Unido, ele é há anos parte da vida pública americana. No começo do filme, ele se apresenta numa sala de conferências cheia de estudantes, dizendo a eles que foi secretário do Trabalho no governo de Bill Clinton. "E antes disso estive em Harvard. E antes disso fui membro do governo Carter. Vocês não se lembram do governo Carter, né?" Os estudantes permanecem em silêncio. "E antes disso", diz Reich com impecável "timing" cômico, "fui agente especial de Abraham Lincoln". Ele balança a cabeça. "Eram tempos difíceis."

Os livros e ideias de Reich estão há uma geração na linha de frente do pensamento do Partido Democrata. Ele é um peso-pesado intelectual, um experiente formulador de políticas, um político tarimbado, e ainda por cima tem a presença de um comediante de "stand-up". Suas ideias serviram de base para o slogan eleitoral de Bill Clinton em 1992, "Colocando as pessoas em primeiro lugar" (ambos foram bolsistas Rhodes, e ele conheceu Clinton a bordo do navio para a Inglaterra; ele certa vez também saiu com Hillary, mas só se deu conta disso quando um jornalista do "New York Times" telefonou e o lembrou do fato).

E elas continuavam lá no mês passado, no coração do discurso de posse do presidente Barack Obama. Os EUA não poderão ter sucesso, disse Obama, "quando um grupo pequeno e cada vez mais reduzido vai bem, e um grupo grande e crescente mal consegue se sustentar". Basicamente o que Reich está dizendo desde o princípio.

O mais extraordinário é como, de certa forma, essas ideias foram traduzidas em uma narrativa que dá todos os sinais de ser o documentário de maior sucesso neste ano. Isso certamente chocou Reich. Ele disse que ficou deslumbrado quando Kornbluth lhe apresentou pela primeira vez a ideia de um filme. "Ele chegou e disse que tinha lido o meu livro 'Aftershock', que tinha adorado e queria fazer um filme a a partir dele. E honestamente eu não sabia o que ele queria dizer. Como ele iria fazer um filme a partir disso?"

Mas Kornbluth fez um filme a partir disso. E um filme assombrosamente bom, que aborda algumas boas ideias econômicas e como elas se relacionam com a qualidade da vida cotidiana tal qual vivida pela maioria das pessoas comuns. O amor, o cuidado e o viés artístico que Kornbluth imprimiu ao filme estão visíveis em cada fotograma. Foi um trabalho realmente árduo, me diz ele, fazer algo parecer tão simples. Só que "eu cresci pobre, então sempre estive muito ciente de quem tem o que na sociedade". Seu pai teve um derrame quando Kornbluth tinha cinco anos, e morreu seis anos depois. E sua mãe, que não trabalhava porque estava criando três filhos, morreu quando ele tinha 18.

Qualquer sinopse do filme corre o risco de fazê-lo parecer novamente seco, mas basicamente ele descreve como a classe média passou a deter uma porção cada vez menor da torta econômica. E como, já que 70% da economia se baseia na aquisição de coisas pela classe média, ela não pode crescer se a classe média não tiver dinheiro para comprar essas coisas. Enquanto isso, o governo permitiu que os super-ricos, o "1%", detivessem uma maior parcela da riqueza nacional. Metade do patrimônio total dos EUA é atualmente propriedade de apenas 400 pessoas --400!--, e Reich argumenta que isso não é só uma ameaça à economia, mas também à democracia.

Kornbluth me diz que inicialmente teve a ideia de escalar Reich para um longa-metragem de ficção. "Eu o havia visto na TV e pensei que ele daria um grande inspetor tributário nesse filme que eu estava fazendo. Embora, na verdade, ele tenha se revelado um péssimo ator. Mas nós nos demos bem. E eu descobri que ele e eu partilhamos de certo senso de humor. Não sou documentarista. Minha origem é a comédia. No entanto, pensei que esse poderia ser um filme incrivelmente interessante. Para mim, é a história mais importante da nossa época. E ninguém a estava contando. Eu ficava lendo os jornais, vendo o noticiário, e realmente queria uma história. Ansiava por ela. Eu só sabia que, para fazê-la, teríamos de torná-la a mais engraçada e humana possível."

E é isso --o humor sutil que está no coração do filme, a leveza da sua direção-- que são os ingredientes vencedores, disfarçando o que é, na verdade, incrivelmente poderoso. No coração de "Inequality for All" há um filme revolucionário. Ou pelo menos seu encarecido desejo de precipitar uma revolução na forma pela qual pensamos as questões econômicas. Como me diz Reich, "a economia não é como o clima". Não é inevitável. Não é determinada. "Uma economia não existe na natureza. Não precisamos nos contentar." E, o que é mais crucial, ela pode ser alterada.

Mas o golpe mais brilhante do filme é colocar Reich, o herói improvável, no centro. "Eu nunca havia feito nada político antes", diz Kornbluth. "Não me considero político. Mas ver seu exemplo, a forma como ele tem lutado essa luta há tantos anos, foi uma inspiração absoluta para mim. Vejo isso nos alunos dele, eles realmente saem das palestras dele e querem mudar o mundo."

A GRANDE PROSPERIDADE

Como em "Uma Verdade Inconveniente" --ou "a mais lucrativa apresentação em Power Point na história", como descreveu um crítico--, o filme está estruturado ao redor de uma palestra, ou melhor, de uma série de palestras: a incrivelmente popular aula sobre riqueza e pobreza que Reich dá em Berkeley.

Mas isso é usado apenas vagamente como um veículo. Há também trechos de noticiários, entrevistas, gráficos estilizados e imagens de arquivo.

O que o filme tenta fazer é tecer as provas daquilo que muita gente já conhece --a luta cada vez maior da classe média para simplesmente subsistir, a forma como o 1% no topo da sociedade se desgarrou do resto de nós e viu sua renda crescer exponencialmente, e o custo cada vez maior das tradicionais avenidas para melhorias, como o ensino superior --e costurar isso em uma narrativa coesa e convincente. É, sob certos aspectos, uma teoria de tudo. Reich mapeia as três décadas de uma renda mediana em expansão depois da Segunda Guerra Mundial, um período que ele chama de "a grande prosperidade", e então examina o que aconteceu no final da década de 1970 para dar um fim nisso. A economia não claudicou. Ela continuou crescendo. Mas os salários não.

As cifras que Reich apresenta são simplesmente alucinantes. Em 1978, o típico trabalhador homem nos EUA ganhava US$ 48 mil por ano (valor ajustado pela inflação). Enquanto isso, a pessoa média no 1% superior ganhava US$ 390 mil. Em 2010, o salário mediano já havia despencado para US$ 33 mil, mas no topo a renda havia quase triplicado, para US$ 1,1 milhão. "Algo aconteceu no final da década de 1970", ouvimos Reich dizer na sua aula em Berkeley. E grande parte do resto do filme consiste em descobrir o que aconteceu.

Alguma desigualdade é inevitável, diz ele. Mesmo desejável. É o que faz o capitalismo pulsar. Mas em que ponto ela se torna um problema? Quando a classe média (no seu sentido americano, os 25% acima e abaixo do salário mediano) tem tão pouco da torta econômica que isso afeta não só as suas vidas, mas também a economia como um todo.

A tese de Reich é que desde a década de 1970 uma combinação de leis contra os sindicatos e desregulamentação dos mercados contribuiu para criar uma situação em que a economia floresceu, mas menos riqueza se filtrou para baixo. Durante um tempo, ninguém notou. Havia "mecanismos para lidar" com isso.

Mais mulheres entraram na força de trabalho, criando famílias com renda dupla. As jornadas de trabalho aumentaram. E os aumentos dos preços imobiliários permitiram que as pessoas contraíssem empréstimos.

Aí, em 2007, tudo isso parou de repente. "Já exaurimos todas as opções", diz ele. Não há mais para onde ir. É a hora do aperto.

É a hora do aperto que tantas famílias trabalhadoras compreendem tão bem. Elas podem não estar familiarizadas com a teoria da desigualdade de renda, mas não puderam deixar de notar que estão com menos dinheiro nos seus bolsos. "Sempre achei que a economia da mesa da cozinha é o tópico mais importante para a maioria das pessoas", diz Reich. "Seus salários, seus empregos, subsistir. Sempre tentei relacionar a economia com onde as pessoas vivem. Por isso fiquei tão entusiasmado com o filme."

As histórias humanas de famílias americanas trabalhadoras lutando para se ajustar estão no centro emocional do filme. Numa conversa com espectadores após a exibição em Sundance, um terço da plateia admitiu ter chorado em algum momento do documentário.

Há por exemplo o caso de Erika e Robert Vaclav, que pagam US$ 400 por semana para manter sua filha numa creche depois do horário escolar, para que Erika possa trabalhar como caixa na Costco. "Estou tentando resolver se devo comprar um celular para ela, para que ela possa ir andando da escola para casa sozinha, e eu fique sabendo que ela está bem, ou se devo continuar pagando", diz ela. A família perdeu sua casa quando Robert foi cortado do seu emprego como gerente da hoje extinta distribuidora elétrica Circuit City. E, como gradualmente transparece, ele é aluno da aula de pobreza e riqueza de Reich em Berkeley.

"Quanto dinheiro você tem na sua conta corrente?", pergunta Kornbluth em off a Erika, enquanto ela leva a filha de carro para a escola. "US$ 25", ela responde, e sua voz fica embargada.

Uma das grandes fontes de humor para Reich é ele próprio. Nos planos iniciais do filme, a câmera o acompanha caminhando até seu carro, um Mini Cooper. "Meio que me identifico com ele", afirma. "É bem pequenininho. Eu sinto que estamos em proporção. Eu e meu carro. Estamos juntos enfrentando o resto do mundo."

Mais tarde, ele tira uma caixa do banco de trás do carro. "Sempre viajo com minha caixa", diz ele, explicando que sofre de um raro distúrbio genético --a doença de Fairbank-- que o levou a crescer só até 1,47 m. A caixa é o que ele sempre leva a eventos onde falará em público, para poder subir ao púlpito.

Ele era importunado quando criança "porque é isso que acontece quando você é pequeno", e foi repetidamente surrado. Sua avó o consolava dizendo que quando ele tivesse 10, 11 ou 12 anos iria esticar. Ele não esticou. "Nunca foi uma coisa consciente da minha parte, mas essa sensação de ser alvo de 'bullying', de me sentir vulnerável, continuou comigo. E talvez seja por causa disso que posso ter empatia com os pobres. Porque eles são os mais vulneráveis. Não há ninguém para protegê-los."

No filme, ele conta como fez alianças estratégicas com meninos mais velhos que poderiam protegê-lo. E anos mais tarde ele descobriu que um deles tinha viajado até o Mississippi para registrar eleitores, e que tinha sido torturado e assassinado. "Isso mudou minha vida", diz ele.

"Ele nunca faturou em cima", diz Kornbluth. "Ele é um cara incrivelmente inteligente, e poderia ter encontrado uma maneira de correlacionar isso em dinheiro, como muitas pessoas fazem. Mas ele nunca fez. Ele tem uma integridade absoluta. É quase chocante agora alguém que não faça isso. Quer dizer, um dos cineastas que eu admiro é o Mike Leigh. E ele faz comerciais do McDonald's, e eu disse 'poxa!' quando fiquei sabendo, mas não posso usar isso contra ele. Não se pode usar isso contra ninguém que esteja tentando ganhar a vida. Mas isso torna Rob ainda mais incrível. Ele não participa de conselhos de direção. Nem de entidades de pesquisa. Ele tira um salário modesto. Ele tem essa bússola moral absoluta. E ele está realmente tentando mudar o mundo."

Na década de 1960 e 70 essa não era uma coisa tão surpreendente. Reich se lembra de ter sido criado "numa época de gigantes". Seu primeiro emprego foi trabalhando com Bob Kennedy. Mudar o mundo era o que todos queriam fazer.

O mundo mudou. Só que não na maneira que muitos achavam que iria mudar. Caímos vítimas daquilo que Reich chama de "a enorme mentira". A de que o livre mercado é bom. E que o governo é ruim. O governo faz as regras, Reich não para de nos lembrar, repetidamente. E ele decide quem se beneficia dessas regras, e quem é prejudicado. E cada vez mais isso se resume aos ricos e aos pobres.

Talvez a voz mais surpreendente no filme seja a de Nick Hanauer. Ele é apenas o seu bilionário comum e cotidiano. Parte do 1%. Exceto pelo fato de ele acreditar --como Warren Buffett-- que não paga impostos suficientes. E que martelar a classe média, quem compra as coisas reais, que cria a demanda, a qual por sua vez cria empregos e mais impostos, é simplesmente ruim para a economia. "Ou seja, eu dirijo por aí com o Audi mais sofisticado, mas ele é ainda apenas um... Três calças jeans por ano, isso está bom para mim."

O sistema simplesmente não está funcionando, ele diz. Ele colocou os milionários e bilionários, os Nick Hanauers e os Mitt Romneys --as pessoas que a retórica republicana descreve como criadores de empregos--, no centro do universo econômico, em lugar daqueles que Hanauer diz serem os verdadeiros criadores de empregos --a classe média.
Gail Oskin - 3.jun.96/Associated Press
O então secretário do Trabalho dos EUA, Robert Reich fala em conferência sobre globalização da economia em 1996
O então secretário do Trabalho dos EUA, Robert Reich fala em conferência sobre globalização da economia em 1996

 O problema, diz ele, é que eles têm sido atacados por todos os lados. Ele foi um dos investidores iniciais na Amazon, uma empresa da qual se diz "incrivelmente orgulhoso", mas observa que, tendo faturado US$ 21 bilhões nos últimos três meses de 2012, a Amazon emprega apenas 65,6 mil pessoas. "Se fosse um varejo familiar, seriam 600 mil pessoas, ou 800 mil, ou 1 milhão."

A globalização e a tecnologia desempenharam seu papel. Mas o governo também. Durante décadas, tanto sob os republicanos quanto sob os democratas, a maior alíquota tributária não caiu abaixo de 70%.

Agora, Hanauer diz pagar 11% sobre uma renda de seis dígitos. Hanauer acredita que, se fosse mais taxado, estaria melhor, porque sua empresa --ele é um capitalista de risco, e sua família possui uma fábrica de travesseiros-- venderia mais produtos, e ele iria, portanto, ganhar mais dinheiro.

Isso é a desigualdade imposta de cima para baixo. Os gráficos de Reich mostram que durante anos os rendimentos dos executivos-chefes acompanharam o ritmo de outros empregados. Aí, em 2000-03, o valor disparou para fora das tabelas.

Onde ainda se encontra. No Reino Unido, o Royal Bank of Scotland, tendo se coberto de glórias no escândalo da manipulação da taxa libor, está atualmente cogitando oferecer bônus de £ 250 milhões para sua divisão de banco de investimentos, segundo reportagens de janeiro. Isso é, dito de outra forma, o contracheque anual de pelo menos 12,5 mil trabalhadores do seu callcenter. Esse não é apenas um problema americano. É britânico também.

"Se houvesse mobilidade para cima, tudo bem", diz Reich no filme. "Mas 42% das crianças nascidas na pobreza nos EUA vão permanecer por lá. Na Dinamarca, são 24%. Mesmo na Grã-Bretanha, onde eles ainda têm aristocracia, são 30%."

Essa é provavelmente uma estatística chocante de se ouvir para os americanos. O problema é que, por qualquer indicador que se mensure, a desigualdade está piorando na Grã-Bretanha. Há menos oportunidades para superar as barreiras do seu nascimento no Reino Unido do que em qualquer outro país da Europa. Para uma plateia britânica, um dos momentos mais assustadores de "Inequality for All" é ver como, confrontados com as mesmas escolhas que os EUA fizeram na década de 1970, nós no último ano trilhamos o mesmo caminho.

Um dos momentos cruciais para Reich foi a escassez de investimentos na educação, particularmente na educação superior na década de 1970. Foi então que os EUA adotaram as taxas educacionais, e sua força de trabalho começou a ficar para trás da do resto do mundo. Quando oportunidades para pessoas com origens de baixa e média renda começaram a encolher: precisamente onde o Reino Unido está hoje.

Não é só que os salários se mantiveram estagnados nos EUA --como se mantiveram no Reino Unido--, é que os gastos cotidianos dispararam, em particular com educação e saúde.

O MUNDO VAI ATRÁS

Em outubro do ano passado, uma comissão independente do Reino Unido, liderada pela Fundação Resolução, previu que em 2020 os salários para famílias de baixa e média renda serão mais ou menos iguais ao que eram em 2000. E no entanto todo o resto terá aumentado. Nós também estamos enfrentando o aperto.

Em dezembro, o Departamento de Estatísticas Nacionais concluiu que as pessoas na faixa dos 10% mais ricos na Grã-Bretanha detêm 40% da riqueza nacional. Em Londres e no sudeste, um em cada oito lares tem patrimônios superiores a £ 1 milhão. A metade de baixo do país não possui patrimônio líquido, e só £ 4.000 em poupança para a aposentadoria. Para essas pessoas, só há elevação de preços. E a possibilidade cada vez menor de que um dia as coisas sejam diferentes para elas ou para seus filhos.

"Onde os EUA lideram, infelizmente o resto do mundo vai atrás. Essa mesma coisa está afetando as pessoas do mundo todo", diz Reich. "Se nada for feito para reverter essa tendência, a Grã-Bretanha vai se ver daqui a alguns anos exatamente no mesmo lugar que os EUA."

Dias atrás, notei que ele tuitou: "A economia da austeridade na Grã-Bretanha é um desastre completo. Sua economia está encolhendo". E colou um link para o "Wall Street Journal" em que a chefe do FMI chamava George Osborne às falas. Quando lhe pergunto sobre isso, ele qualifica nossa economia da austeridade como "uma travessura cruel". Cruel porque "machuca pessoas que já foram suficientemente machucadas". E travessura porque "simplesmente não funciona --veja os números".

Deveria ser a nossa hora do aperto também. Temos mais gente vivendo na pobreza com empregos do que sem, segundo a Oxfam. O cidadão britânico médio --o médio-- está a três contracheques da privação. E com o país todo à beira da terceira recessão seguida.

Talvez a coisa mais improvável a respeito de Robert Reich é como ele é animado, embora, sob qualquer aspecto, a desigualdade tenha piorado nos Estados Unidos desde que ele começou a pregar sua doutrina. Ele não parece deixar que isso o afete.

Há imagens dele da década de 1990, quando ele costumava ser um comentarista político regular na Fox News, mas, à medida que a política americana se deslocou para a direita, ele se viu retratado como um perigoso esquerdista. "Robert Reich?", diz um comentarista em um trecho de arquivo. "Ele é um comunista. Um socialista." Não é coincidência que ele faça questão de dizer no filme que não é e nunca foi membro do Partido Comunista. E ele e Kornbluth se empenham extraordinariamente para não pronunciarem as palavras "Suécia" ou "Japão", e mesmo "Alemanha" surge só de passagem.

De nada vai servir dizer ao povo americano o que estrangeiros esquisitos estão armando. O filme é, em vez disso, bem sutilmente subversivo, a estética contrária à de qualquer filme de Michael Moore. Ele tenta educadamente levar seus espectadores a olharem para o mundo de forma diferente, ao invés de sair batendo nas suas cabeças com um pesado porrete de madeira com a palavra "polêmica".

Mas a política americana se tornou tão polarizada, tão ideologicamente cruel, que é só questão de tempo até que o filme seja atacado pela direita como sendo propaganda stalinista. "Mas estou acostumado a isso", diz ele. "Tenho sido atacado no nível pessoal há 30 anos. Estou é animado de que isso possa desencadear um debate. Embora eu esteja tentando não exagerar nas minhas esperanças."

A hora do aperto nos EUA está feia. Reich acredita que tanto o movimento Tea Party quanto o Ocupe brotam da mesma sensação de raiva e frustração que as pessoas temem. Essa política vai se tornar mais polarizada, mais extremista, mais cheia de ódio.

Uma das principais pesquisas citadas por Reich é um estudo de dados tributários feito por Emmanuel Saez e Thomas Piketty, mostrando que os anos de mais desigualdade de renda nos EUA foram 1928 e 2007. Logo antes dos dois "crashes". "Os paralelos são notáveis", diz ele. É também notável o que aconteceu nos anos posteriores a 1928. Como na Alemanha, para pegar um exemplo aleatório, a depressão mundial também levou a uma perversa polarização entre direita e esquerda. E a determinados outros resultados.

Se isso poderia acontecer nos EUA? "Minha nossa, espero que não!", diz ele. "Embora quando você entra em períodos de insegurança econômica com ampliação da desigualdade, o que coloca a classe média sob estresse, você cria um terreno fértil para demagogos de esquerda ou de direita. A política do ódio. A política do medo. Já estamos vendo isso."

E no entanto, apesar disso tudo, ele continue esperançoso. "A mudança sempre foi difícil", diz ele. É por isso que ele leciona. Se ele não conseguir mudar o mundo, talvez seus alunos consigam. Ou as pessoas que assistirem ao filme? Faço essa pergunta e recebo a clássica resposta reichiana, contida, impassível, mas não inteiramente pessimista. "Estou tentando manter minhas expectativas sob controle."

Tradução de RODRIGO LEITE.

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