RELATO DE MINHA PRISÃO
ROBSON DE SOUSA MORAES
(Professor da Universidade Estadual de Goiás)
Aos dois dias do mês de julho do corrente ano
participei de manifestação organizada pelo movimento de greve da Universidade
Estadual de Goiás (UEG), Professores e Estudantes da Universidade Federal de
Goiás (UFG), Estudantes Secundaristas e moradores da Cidade de Goiás. A
concentração da manifestação iniciou-se as 19:00hs na praça do Chafariz, logo
após a chegada dos primeiros manifestantes, algumas viaturas da polícia militar
estacionaram próximo aos manifestantes.
Alguns minutos depois policiais militares
a paisana foram, por nós identificados, infiltrados entre os manifestantes. Por
volta das 20:30hs iniciamos o que denominou-se uma “marcha fúnebre” das
promessas de campanha não executadas pelo atual governador do estado. Ao
caminharmos uma centena de metros nos deparamos com uma barreira da polícia
militar que impediu nossa passagem. Algumas pessoas que participavam da
passeata (marcha fúnebre), expressaram pelo microfone de um carro de som seu
descontentamento com a postura da PM e a marcha seguiu seu curso por outro
caminho, agora ampliada por centenas de moradores que aderiram ao protesto.
Caminhando pelas ruas, vielas e becos da histórica Vila Boa, evitando as
barreiras policiais, e já sem o carro de som e utilizando megafone e
amplificador portátil, chegamos próximo ao Palácio Conde dos Arcos, local da
abertura oficial do Festival Internacional de Cinema Ambiental (FICA), onde nos
deparamos com mais uma barreira policial, esta reforçada pelo policiamento de
farda preta (CPT). Em frente ao Palácios proferimos inúmeras “palavras de
ordem” em favor da melhoria do atendimento à saúde e pela qualidade da
educação, entre outros temas, denunciamos as promessas não cumpridas pelo
governo do estado, bem como seu envolvimento com o “bicheiro” conhecido como
carlinhos cahoeira. Neste momento, fomos interpelado pelo Oficial da polícia
militar Coronel Moura, que nos informou que estava “sendo pressionado para
evacuar a área” e que este pretendia faze-lo sem o uso da força e da violência.
Explicamos ao coronel que a manifestação não dispunha de nenhuma liderança que
estabelecesse uma ordem de dispersão ou outra ordem que fosse e que
necessitaríamos de tempo para dialogar com os participantes do protesto. Em
rápida conversa coletiva ficou decidido que não iríamos sair do local e nos
manteríamos ali de forma pacífica e para demonstrar tal intenção ficaríamos
todos sentados. Segundos após sentarmos avistamos o pelotão de choque da pm em
rápido deslocamento, o que já assustou algumas pessoas, provocou inquietação e
iniciou uma correria. Surpreendentemente alguns policiais avançaram sobre o
caixão utilizado pelo protesto tentando
extraí-lo dos manifestantes, o mesmo ocorrendo com as faixas, cartazes,
megafone e amplificador.
Deflagrada a violência policial que usou e abusou de
spray de pimenta e cassetetes, vários integrantes do protesto foram
deliberadamente agredidos e detidos arbitrariamente, sem nenhuma acusação
formal ou informalmente apontada. Neste instante, presenciando a agressão de
policiais que vitimava um estudante secundarista, tentei ajuda-lo puxando seu
corpo para fora da roda de policiais que lhe aplicavam chutes, socos e golpes
de cassetete, minha tentativa foi frustrada, pois fui, atacado pelas costas por
um golpe de “gravata”, que desequilibrou meu corpo. Instantaneamente fui
cercado por vários outros policiais que de forma truculenta, desrespeitosa e
com uso desmedido e desproporcional de força mesmo sem qualquer esboço de
reação de minha parte. Fui algemados com as mão nas costas e com a mesma
truculência encaminhado para a parte de traz da Igreja Matriz, onde fui forçado
a sentar no chão cercado por policiais. Presenciei a chegada de várias pessoas
algemadas e machucadas, entre elas o Professor Alexandre da UFG, o Estudante
Bruno da UEG e o Estudante secundarista Diogo.
Mesmo após a tentativa de
advogados argumentar a inexistência da necessidade de manternos algemados a pm
assim nos manteve. No momento em que fui levado a viatura policial os advogados
tentaram argumentar, que não haveria, também, a necessidade de sermos conduzido
no porta malas da viatura (um carro do tipo gol), pois não oferecemos em
momento algum qualquer tipo de resistência. Tal sugestão se quer foi ouvida e
de forma agressiva fui empurrado para o porta mala da viatura ouvindo
claramente o comentário sarcástico do policial: “vou te mostrar o direito do
professor na constituição”, uma clara retaliação a várias intervenções feitas
no microfone da passeata, onde clamávamos pela execução e garantia do legítimo
direito constitucional de manifestação.
Na delegacia de policia fiquei, com outros
companheiros, por horas algemado com tentativas da sargento pm de retirar
advogados do recinto, com o intuito de nos manter isolados e sem atendimento
jurídico até ser ouvido pela polícia civil e em seguida liberado. Perdi a noção
de tempo, mas já se fazia alta madrugada quando fui liberado. Ainda continuo
desconhecendo o motivo de minha detenção, nada me foi alegado, o que me faz
levar em consideração a hipótese que no estado de Goiás, o estado de direito e a
carta constitucional são letras mortas. Vivemos em um estado de sítio não
declarado, o que ocorreu comigo é uma pequena demonstração do que se repete
diariamente com a juventude pobre da periferia, mais violentada ainda, por não
disporem de atendimento jurídico, apesar da lei determinar.
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